Título: À beira da guerra civil
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Fonte: Jornal do Brasil, 25/11/2004, Internacional, p. A7

Resultado oficial aponta candidato do governo como vencedor. EUA e Europa protestam e oposição convoca greve geral

Agora é oficial. A Comissão Eleitoral ucraniana anunciou ontem que o atual primeiro-ministro da Ucrânia, Viktor Yanukovich, venceu as eleições presidenciais de domingo, marcadas por várias denúncias de fraude feitas pela oposição por observadores internacionais.

A oposição rejeitou o comunicado e afirmou que vai apelar à Suprema Corte para que o resultado seja anulado. Estados Unidos e União Européia (UE) também protestaram contra a decisão, enquanto milhares de manifestantes mantiveram a vigília em apoio ao líder da oposição Viktor Yuschenko, na Praça da Independência, em Kiev.

A concentração popular dura três dias e há receios de que o país esteja à beira de uma guerra civil.

- A proclamação de Viktor Yanukovich deixa o nosso país muito próximo de um conflito civil. Vamos buscar uma solução sem uma luta aberta - ressaltou Yushchenko, convocando uma greve geral ante mais de 100 mil manifestantes. - Estamos nos organizando para parar as escolas, as universidades, as empresas e o transporte. Vamos forçar as autoridades a pensar no que estão fazendo.

A oposição chamou os seguidores para bloquear ruas, estradas, aeroportos e ferrovias e o presidente ucraniano, Leonid Kushma, também alertou para uma possível guerra civil, dizendo que o confronto é ''uma possibilidade real'' no país.

O impasse político na Ucrânia deflagrou uma situação que vai além das fronteiras do país já que o candidato da oposição defende uma aproximação maior com o Ocidente enquanto o primeiro-ministro Yanukovich trabalha por uma aproximação com Moscou.

Mesmo com o pedido de Kushma para que não haja interferência internacional, o secretário de Estado americano, Colin Powell, afirmou que os EUA ''não podem aceitar'' as eleições. Segundo Powell, as autoridades ucranianas devem agir para solucionar o impasse. Caso contrário, haverá ''conseqüências'' para as relações de Kiev com Washington.

- Ainda não é tarde para se achar uma solução que respeite a vontade do povo ucraniano - afirmou o secretário.

De Berlim, o chanceler (primeiro-ministro) alemão, Gerhard Schroder, afirmou que os laços de amizade com a Rússia não são suficientes para impedi-lo de criticar os resultados oficiais do pleito ucraniano.

- Não tenho dúvidas sobre o que dizem os observadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) - afirmou.

Segundo a OSCE, há vários indícios de fraudes como os índices de participação eleitoral, muito acima da média, em postos localizados em regiões onde o governo era favorito. Além disso, há casos de coerção de funcionários públicos, transporte de eleitores, impedimentos aos trabalhos dos observadores e de descaso na contagem dos votos. Segundo estimativas da OSCE, há pelo menos 2 milhões de votos passíveis de anulação, o que mudaria o resultado final da eleição.

Após o anúncio oficial de que Yanukovich teria vencido, o primeiro-ministro declarou que pretende começar a negociar com a oposição e reconciliar os ucranianos.

- Vamos buscar um denominador comum. Faremos o possível para uma reconciliação - frisou o candidato do governo. - Não quero uma vitória falsa. Um resultado que pode levar à violência. Nenhuma posição de autoridade, não interessa qual, vale uma vida humana sequer.

O Kremlin divulgou uma declaração informando que Schroder e o presidente russo, Vladimir Putin, discutiram ontem o impasse pelo telefone.

''Foi ressaltado que a situação deve ser resolvida com base nas leis ucranianas'', diz o texto produzido em Moscou. ''A questão deve ser resolvida com consultas e contatos entre as partes envolvidas''.

A Holanda, que atualmente preside a UE, avisou que vai mandar representantes a Kiev. O ex-presidente polonês e líder sindical Lech Walesa, convidado por Yuschenko para mediar o confronto, também pode chegar a qualquer momento à capital ucraniana. A Anistia Internacional declarou que está monitorando a situação para garantir que os protestos não sejam reprimidos com violência.