Título: Entrevista com Saturnino Braga:
Autor: Leandro Mazzini
Fonte: Jornal do Brasil, 06/03/2006, País, p. A2

Os meandros do poder levam a desfechos nem sempre favoráveis às ambições até dos mais experientes homens públicos. Senador pelo Rio, o petista Roberto Saturnino Braga se encontra numa dessas encruzilhadas políticas. Enquanto luta com Benedita da Silva pela indicação do partido para concorrer a uma vaga no Senado, por outro lado as articulações partidárias ameaçam encerrar sua carreira de 40 anos. Tudo porque um eventual acordo entre o PT estadual e o PDT, em prol da candidatura de Vladimir Palmeira ao governo, pode deixar os petistas fora do páreo para o Senado e alçar o nome do presidente do PDT, Carlos Lupi, na corrida. Em entrevista ao JB , o presidente do PT, Ricardo Berzoini, confirmou que o partido está propenso a aceitar acordos nesse sentido. Lupi foi uma sombra no mandato de Saturnino. Eleito em 1999 pelo partido de Brizola, Saturnino assinara uma carta em que aceitava renunciar no meio do mandato para que Lupi assumisse, o que não ocorreu. O pedetista ameaçou ir à Justiça pela vaga, mas recuou.

Saturnino manteve-se na cadeira e hoje garante que o problema foi superado. Ele deixa claro que apesar dos problemas do partido, ainda acredita no PT e não sai da legenda. No entanto, pode abrir mão da disputa para o Senado por um acordo que fortaleça o partido no Rio.

¿ Como está a situação da disputa interna com a Benedita?

¿ Esse diálogo está sendo travado pelos pronunciamentos públicos e pelos nossos contatos com a direção estadual. Entre nós mesmos não tivemos nenhuma conversa. Acho que ela não está num bom momento para uma candidatura. Quando saí da prefeitura, fui ser vereador, porque estava queimado pelas circunstâncias daquele momento (por questões fiscais, Saturnino anunciou a quebra da prefeitura em sua gestão como prefeito, na década de 80). Mas Benedita tem direito e o partido é quem vai decidir. Vou até a convenção postulando a minha candidatura, dizendo que estou disposto a abrir mão, se for por exemplo para fazer um acordo com o PDT, apoiando o Vladimir.

¿ Mas o PDT faz uma ferrenha oposição ao governo e vai fechar com o PT do Rio?

¿ Quem sabe? (risos)

¿ Há conversas com o Carlos Lupi? Vocês superaram o problema da carta de acordo?

¿ Esse problema foi inteiramente superado. Tanto que, quando estive cogitando sair do PT, o meu caminho era o PDT. Conversei com o Lupi sobre isso, porque é o partido onde tenho mais história e com que tenho afinidades. Acho que o PDT aqui no Rio é um partido muito importante. Tem tradição, história, êxitos. O apoio ao candidato do PT é fundamental.

¿ Vladimir e Lupi estão dialogando?

¿ Eles estão conversando, e se isso der certo, sou o primeiro a dizer: `Vamos dar a vaga da candidatura ao Senado ao PDT, porque eles têm nomes¿.

¿ Quem seriam?

¿ O próprio Lupi, o Miro Teixeira (deputado federal) e o Jorge Roberto Silveira (ex-prefeito de Niterói).

¿ O PDT conversa com o PPS de Denise Frossard. O PT entraria nessa coalizão?

¿ Desde que seja uma coligação que reforce a candidatura do Vladimir, eu aceito. A Denise tem meu aval também, mesmo que eu saia preterido. Não me conformo que essa disputa do Rio fique entre Sérgio Cabral (PMDB) e Marcelo Crivella (PRB). Acho que o Rio é muito maior que essa dicotomia, falsa, que não representa a história política desse estado. É uma disputa que ficaria muito pequena. Estou disposto a fazer muito esforço e abrir mão de tudo para fortalecer o Vladimir Palmeira e o PT.

¿ Vladimir tem baixa aceitação entre os eleitores, conforme as pesquisas. Essa candidatura não vai mostrar um PT enfraquecido?

¿ Há o risco, mas eu o enfrento. Sinto que o Vladimir tem condições de crescimento na campanha. Ele está fora da mídia há muito tempo e por isso está aparecendo com índice muito baixo nas pesquisas. Mas as qualidades de agilidade, carisma e argumentação dele o levam a uma possibilidade que avalio muito boa de vitória.

¿ Nesse caso, se for preterido, o que o senhor pretende fazer?

¿ Escrever três livros (risos). Vou me dedicar enfim à literatura. É o que faço por prazer. Mas vou trabalhar no partido, porque a política é a minha vida.

¿ Como vive este dilema?

¿ Ultimamente tenho me dedicado um pouco mais à política porque tenho que enfrentar essa encruzilhada aí na frente. Não sinto essa necessidade ou angústia de permanecer com um mandato, até porque tenho um sentimento de dever cumprido. São mais de 40 anos de política.

¿ Em uma entrevista ao JB em 2003, o senhor disse que deixaria a política. O que o motivou a se candidatar novamente?

¿ O que me fez voltar foi o governo Lula, as vicissitudes pelas quais ele passou. Um governo que foi profundamente contestado e atacado. Lula foi extremamente cauteloso no tocante à política fiscal e monetária, até provocando críticas, inclusive a minha. Mas ele pôs um ponto final naquele neoliberalismo do Fernando Henrique. Isso provocou um descontentamento de elites econômicas, que tentam desmoralizá-lo para que perca a eleição. Pensava que estava encerrando minha carreira política e fui chamado outra vez por minha consciência para essa luta. Acredito no PT.

¿ Houve um convite do presidente Lula?

¿ Não. Foi uma decisão minha, tomada com alguns companheiros, com um grupo mais à esquerda do PT que dialogou muito nessa crise. Uma parte desse grupo estava tão descontente que saiu, foi para o PSOL. Outra, a que ficou, assumiu a posição de defesa do governo, porque viu que era uma questão de luta de classes.

¿ Qual é a relação do PT fluminense com a executiva nacional?

¿ Não acho boa. O PT teve perdas, como o Chico Alencar, que tem muita força moral. Como também o Miro Teixeira, um grande reforço que o partido havia conseguido. O PT do Rio não tem mais força junto à executiva nacional. Isso é mais uma razão para um esforço de revigorar o partido. E para isso a candidatura do Vladimir é importante. É estratégica pelo que ele representa, pelos ideais dele.

¿ Está decidido, então, que o PT nacional não vai interferir na decisão do PT estadual?

¿ Lula vai querer dois palanques no Rio. As conversações foram ao ponto de que não haverá interferência do PT nacional (como em 1998, quando Vladimir foi preterido para uma coligação com o PSB do ex-governador Anthony Garotinho e Benedita da Silva entrou como vice). Em compensação, o PT não vai criar problema para que Lula tenha um segundo palanque (com um possível apoio a Marcelo Crivella).

¿ O presidente vai subir no palanque de Vladimir e do Marcelo Crivella. Isso não lhe causará desgaste com o eleitorado do Rio?

¿ Sim, mas é uma realidade à qual não podemos fugir. Para garantir a candidatura do Vladimir e essa independência do PT do Rio em relação ao nacional, temos que admitir que Lula tenha aqui outro palanque.

¿ Mas como Lula apoiará Crivella, o PT do Rio não cogita nem uma secretaria em um eventual governo do candidato do PRB?

¿ Que eu saiba não, e não queremos. Estamos investindo na candidatura do Vladimir. De minha parte, não quero.

¿ Como está o trabalho de fortalecimento do partido?

¿ Queremos trazer de volta os líderes que perdemos (Chico Alencar e Miro Teixeira). Mas, no momento, eles estão impedidos pela lei. Tenho muita convicção de que voltarão. Foram cometidos erros muito graves (do partido), mas é mais justo ficar no PT. Ficar no PSOL neste momento é contribuir para esse possível segundo turno entre Crivella e Cabral.