Título: Além do Fato: As longas filas da Previdência Social
Autor: Wagner Balera
Fonte: Jornal do Brasil, 23/11/2005, Economia & Negócios, p. A18

Ainda nestes dias, os jornais noticiavam que a empresa distribuidora de energia cortou a luz das agências do INSS. As filas de espera formadas por aquelas pessoas que aguardavam atendimento nos postos de benefícios, já lentas por natureza, ficaram paralisadas. Imagine quem, como é freqüente em certos lugares, passou a noite esperando para ser atendido e, na hora H, recebeu a triste notícia de que, desta vez, não por causa de uma greve (fato que já foi assimilado como corriqueiro), mas porque o INSS não pagou a conta de luz, o segurado terá que voltar para casa sem nenhuma resposta ao seu direito. Por vezes, a fila tem seus lugares vendidos - também se noticiou a prisão de um grupo que utilizava esta prática em determinadas localidades. No entanto, a demora média na apreciação do requerimento do benefício, por estranha coincidência, parece proporcional ao tempo médio de permanência na fila, multiplicadas as horas pelo equivalente em meses.

De fato, quem fica por duas horas na fila pode esperar por pelo menos dois meses para ter a primeira notícia sobre o benefício, se tiver sorte. Há também aqueles que morrem na fila...

Note-se que, só a existência da fila já retira a máscara da eficiência com que se deseja classificar os programas sociais brasileiros.

O Ministério da Previdência existe desde 1974. Nestes trinta anos já devem ter passado por lá outros tantos trinta ministros. Todos eles, sem exceção, se comprometeram solenemente a acabar com as filas. Pelo menos um fez questão de reclamar por escrito porque afirmei que as filas continuavam existindo em tais e tais lugares.

É verdade que os lugares onde se situam os postos estão em condições cada vez mais precárias e as instalações foram sendo corrompidas por aquilo que o Antigo Testamento denominou, duramente, de ¿lepra das estruturas¿.

Nem mesmo os horários são ampliados. Nem mesmo se cogita a elementar providência de jornadas duplas. Que a primeira equipe funcionasse no horário das 7h até às 13h e, a segunda, das 13h às 19h, por que não? O Copom não funciona em tempo integral?

De nada adianta, no entanto, a solução do problema das filas se não for resolvido o processamento interno dos benefícios. Isto evitaria que a mesma pessoa tenha que ser chamada por diversas vezes para esclarecimentos ou para apresentar novos documentos.

Também a estrutura informática deixou de acompanhar os avanços tecnológicos mais recentes, assim como o pessoal administrativo não recebeu treinamento adequado às modernas técnicas de gestão administrativa.

O parágrafo 6º do artigo 41 da Lei 8.213/91 (Plano de Benefícios) faz clara referência a um prazo que poderia ser considerado ideal para o processamento do primeiro pagamento de renda mensal do benefício: 45 dias após a data da apresentação, pelo segurado, da documentação necessária à sua concessão. O que se vê, no entanto, é a demora de diversos meses, sem qualquer princípio de explicação razoável.

As notórias dificuldades gerenciais do sistema transformam o dispositivo da lei em simples recomendação.

É verdade que, passados os 45 dias, a lei determina que as parcelas, quando tiver início o pagamento, sejam corrigidas monetariamente.

Mas ninguém quer essa vantagem. Todos esperam pelo benefício a que fazem jus e pelo qual pagaram às vezes por mais de trinta anos.

Devemos exigir que o Conselho Nacional de Previdência Social cobre mudanças urgentes com força e claridade.

O problema, não sendo recente nem sendo exclusivo do Brasil (na antiga Revista dos Industriários, publicada em abril de 1958, um consultor holandês denunciava o problema, já naquela época, já naquele país) pode e deve ser resolvido, notadamente com os avanços da informática.

Podemos sugerir que o caminho para a solução do problema já foi indicado pela Constituição: é a descentralização. Que se realizem convênios com associações de bairros, sindicatos, universidades e bancos, a exemplo do que ocorreu com o projeto Prisma, para que tais entes façam o processamento inicial dos benefícios. Isto desafogaria os postos e reduziria as filas ao mínimo indispensável.

Professor Titular da PUC/SP de Direito Previdenciário, Direito Tributário e Direitos Humanos, Advogado Especialista em Direito Previdenciário, sócio-titular do Escritório Balera, Gueller, Pardal e Portanova Advogados Associados