Correio Braziliense, n. 21770, 24/10/2022. Política, p. 3

Reação violenta acena aos radicais



A reação violenta do ex-deputado federal Roberto Jefferson, que se recusou a acatar um mandado de prisão e agrediu os agentes que foram levá-lo, inflamou os discursos radicais contra o Poder Judiciário. Os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) usaram a afronta praticada pelo petebista para desferir mais ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em especial ao ministro Alexandre de Moraes — que, além de ter determinado a volta do ex-parlamentar para a cadeia, é visto, hoje, como um dos principais inimigos do bolsonarismo.

Por causa disso, especialistas perceberam que o episódio de Jefferson foi o gatilho para a construção de uma narrativa, disseminada nas redes sociais, de que o STF e TSE promovem uma perseguição a Bolsonaro e seus apoiadores e que o ex-deputado se insurgiu contra isso. Para os estudiosos, o desrespeito do petebista à lei é um “dog whistle” — o “apito do cachorro”, mensagem que não é captada por grande parte da população, mas compreendida e atendida por parte dela — cujos resultados são imprevisíveis e potencialmente violentos.

O professor de estudos brasileiros da Universidade de Oklahoma (EUA) Fabio de Sá e Silva acredita que não se trata de um ato isolado, mas, sim, de uma estratégia da extrema-direita para atacar o Estado Democrático de Direito. “É possível que esse verdadeiro ato terrorista de Jefferson tenha sido praticado com finalidades eleitorais, já que o bolsonarismo vinha de uma semana de campanha centrada em denúncias de ‘censura judicial’, baseada na distorção de decisões adotadas pelo TSE — ou mesmo decisões inexistentes, como no caso da ‘retratação’ do pastor André Valadão”, analisa.

Para Silva, o episódio pode ter efeito aglutinativo da base radical do bolsonarismo. “Mas para a imensa maioria da população, isso pode sinalizar fraqueza e um tipo de instabilidade que essas pessoas não querem para as suas vidas nos próximos anos”, salienta.

 

Nada a perder

 O analista político Mellilo Dinis partilha do mesmo entendimento e acredita que a situação tem como consequência pontos negativos para a campanha do presidente. “É um ato desesperado de quem não tem nada a perder. Do ponto de vista da política eleitoral, traz mais prejuízo do que ânimo às hostes bolsonaristas, e aumenta o discurso dos adeptos de Lula”, avalia.

O jurista e cientista político Enrique Carlos Natalino apontou a formação de um cenário extremo com a proximidade do segundo turno da eleição presidencial. “Mais uma vez, isso mostra o quão sério o é caminho que estamos tomando no Brasil com essa escalada de violência política, de violência institucional. O presidente insufla não só contra o STF, mas contra todos os partidos e lideranças que lhe fazem oposição”, disse.

A afronta de Jefferson dividiu a ala bolsonarista. Apesar de o próprio presidente da República ter criticado o petebista por atacar os agentes que foram cumprir um mandado de prisão emitido contra ele, outros aliados mantiveram a posição em defesa do ex-deputado. Tal como o caso do deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ): em vídeo publicado nas redes sociais, disse que conversou com a assessoria de Bolsonaro e que o presidente havia tomado a decisão de “mandar as Forças Armadas proteger o nosso Roberto Jefferson”. Nada disso aconteceu.

Na avaliação do cientista político André César, o cenário pode ficar crítico nos dias que restam até a realização do segundo turno. “Roberto Jefferson colocou mais lenha numa fogueira que já estava alta. Os eventos recentes mostram que temos um quadro extremamente grave, extremamente tenso, no qual as figuras centrais do debate político vão viver mais e mais essa tensão. Até o próximo domingo, a nossa democracia vai ser radicalmente testada”, ressalta.

 Depois da prisão de Jefferson, começou a circular nas redes sociais um vídeo de supostos caminhoneiros afirmando que, no dia 30, caso Bolsonaro não vença a eleição, vão parar o país. A publicação ameaça o STF e o TSE, e reproduz a fala bolsonarista de que o presidente só não será reeleito se houver “fraudes nas eleições”. (LP)