O Globo, n. 32566, 05/10/2022. Política, p. 9

“Guerra santa” marca início do segundo turno entre PT e PL

Ivan Martínez-Vargas
Guilherme Caetano
Luã Marinatto
André de Souza


A campanha do segundo turno presidencial começou com forte apelo religioso entre os dois finalistas e seus apoiadores, numa espécie de “guerra santa” trava danos templos e nas redes sociais pelo voto evangélico que mistura temas como satanismo e maçonaria.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aproveitou o dia de São Francisco de Assis ontem para se encontrar com frades franciscanos e refutar ataques de cunho religioso. Já o presidente Jair Bolsonaro (PL) participou de um culto da Igreja Evangélica Assembleia de Deus em São Paulo, ministério do Belém.

Enquanto os candidatos buscavam religiosos, a “guerra santa” ganhava contornos de “suja” nas redes. A campanha do PT teve até que usara internet par aposta rum texto intitulado “A verdades obre Lula e o satanismo”, para desmentir notícias falsas sobre esse tema. Já o pastor Silas Malafaia saiu em defesa de Bolsonaro contra a associação dele à maçonaria como um traço anticristão.

Diante de centenas de fiéis reunidos para a assembleia geral extraordinária da igreja, o pastor José Wellington Bezerra da Costa, presidente da Convenção Fraternal das Assembleias de Deus de São Paulo (Confradesp), pediu votos para Bolsonaro no templo, o que é vedado pela lei eleitoral:

— O trabalho que eu pedi para os senhores, para que, ao voltar para suas igrejas, falem com o nosso povo, com as famílias, com as mulheres. Eu disse a vocês que elas têm uma facilidade muito grande para pedir voto. (...) Espero em Deus que no dia 30 de outubro estaremos confirmando o nosso voto e reelegendo o presidente da República.

Segundo o pastor, havia fiéis de todos os municípios de São Paulo no local. Em seguida, outros líderes religiosos criticaram Lula. Acompanhavam o presidente, a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e o candidato bolsonarista ao governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

TSE aponta ‘fake news’

Michelle empolgou a plateia ao associar a eleição a uma luta da “luz contra as trevas” e associar Lula a um “ser que é contra a palavra do Senhor”. Pediu atenção aos fiéis que passam por uma “cegueira espiritual”:

— Precisamos convencer aqueles que ainda não sabem em quem votar. A Igreja não pode ser omissa.

Em seguida, Bolsonaro fez um discurso repleto de referências religiosas e atribuiu sua eleição a Deus. Foi aplaudido quando afirmou que “lugar de ladrão é na cadeia”, em referência a Lula, e quando disseque não tem “comunista” sentadona cadeira de presidente. Bolsonaro também afirmou que, se for eleito, Lula vai aumentar impostos sobre heranças, e pediu para as famílias ficarem vigilantes para evitar que seus membros “caiam no canto da sereia” e votem no PT.

O pastor pediu aos fiéis que contatassem familiares no Nordeste, onde Lula teve melhor desempenho, e orientassem voto em Bolsonaro. Segundo ele, os nordestinos estão “mal informados”.

Em outro culto, da Assembleia de Deus Ministério de Madureira, na Zona Leste de São Paulo, Bolsonaro disse que “o outro candidato” não é seu adversário político, mas sim “inimigo de tudo o que há de bom em nossa pátria” e voltou a insinuar que Lula é contra o funcionamento de igrejas.

Contra-ataque

Ontem, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), determinou a remoção da internet de publicações do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filhos do presidente, e de outras pessoas que afirmavam que Lula defendeu a invasão de igrejas e a perseguição de cristãos. Segundo o ministro, as postagens “transmitem de forma intencional e maliciosa” a mensagem de que Lula é aliado do ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, e assim será contra os evangélicos e perseguirá cristãos.

No pedido para remover as publicações, a defesa da campanha de Lula destacou decisão anterior do TSE que determinou a remoção de postagens de mesmo teor, argumentando que as novas publicações “revelam desobediência” à Corte. “As publicações buscam associar que o candidato Lula apoiaria veementemente um regime autoritário e que persegue cristãos, o que sabiamente é uma inverdade”, afirmaram os advogados.

No mais recente apelo religioso para contra-atacar Bolsonaro, Lula postou uma oração no Twitter, no fim da manhã de ontem, em homenagem a São Francisco, destacando um trecho da prece: “Onde houver dúvida, que eu leve a fé”.

Pouco depois, o petista recebeu frades franciscanos, entre eles o Frei David Santos, líder da Educafro, ONG voltada para a educação de jovens negros. Com a mulher, Rosângela da Silva, a Janja, que segurava uma imagem de São Francisco de Assis levada pelos religiosos, Lula aparece num vídeo nas redes sociais. Na legenda, escreveu : “Poderia ter ido num convento hoje me encontrar com vocês, mas não gosto de fazer nenhum gesto que possa ser confundido com usar a religião para fazer política. Para mim, a fé é algo muito sagrado. Levo minha espiritualidade muito a sério.”

A série de postagens pede mobilização de seu eleitorado no mesmo tom: “Por isso gosto também do 2° turno, porque o povo tem uma segunda chance. Na Igreja Católica tem o batismo e depois a crisma, para dar chance de a pessoa escolher seu próprio padrinho .”

Malafaia faz defesa

Em uma clara tentativa de impressionar evangélicos, bolsonaristas reproduzem nas redes um vídeo do TikTok por um influenciador que se identifica como “sacerdote da igreja luciferiana”. Como revelou a colunista do GLOBO Malu Gaspar, o conteúdo foi publicado na sexta-feira, apontando uma suposta conspiração “das trevas” contra Bolsonaro em favor de Lula. Em comunicado, a campanha do PT chegou ontem ao ponto de enfatizar que o ex-presidente é cristão (católico) e “não tem pacto nem jamais conversou com o diabo”.

Também ganhou força nas redes um vídeo de 2017 em que associa Bolsonaro à maçonaria, que vem sendo compartilhado por internautas favoráveis a Lul que apontam suposta contradição entre a cena em que o presidente discursa numa loja maçônica e a proximidade com correntes evangélicas. Montagens dizem que ele teria “prometido entregar o Brasil a Satanás caso seja eleito ”, informação que também é falsa. O pastor Silas Malafaia saiu em defesa do aliado:

— O presidente, é presidente de todos. Ele ir na igreja evangélica, na católica, outras religiões ou na maçonaria, que é uma sociedade, isso é questão dele. Não vão manipular os evangélicos. E outra, porque essa mesma gente não quer viralizar um vídeo de Lula num ritual tomando “passe”?