Valor Econômico, v. 20, n. 4960, 14/03/2020. Empresa, p. B2

Gestão remota requer outra cultura

 Barbara Bigarelli


Na semana passada, o Glassdoor, site de avaliação de empresas com mil funcionários em dez escritórios no mundo, incluindo o Brasil, obrigou todos a trabalharem em casa devido à evolução do coronavírus. Havia infraestrutura tecnológica para esse passo. Mas o plano emergencial incluiu quatro sessões de treinamento para gestores, realizadas no início de março.

“O treinamento foi obrigatório, inclusive, para quem já estava acostumado a trabalhar remoto”, diz Luciana Caletti, vice-presidente da empresa para América Latina. Entre as orientações, estava o cuidado para se comunicar e relacionar com os funcionários. “É preciso deixar claro que a expectativa precisa vir dos resultados entregues e não do monitoramento do tempo que a pessoa fica on-line”, diz Caletti.

Essa foi uma preocupação do RH do Mercado Livre, quando o home office começou a ser implementado no fim de 2018. Atualmente, 65% dos 2,7 mil funcionários do Brasil possuem um notebook e podem ficar em casa. “Não tem a ver com idade, mas certos líderes são acostumados ao modelo tradicional e, se a liderança não trabalha remota, as pessoas não se sentem à vontade”, diz Patrícia Monteiro, diretora de Recursos Humanos.

Ajudou na criação da cultura do home office o COO do Mercado Livre na América Latina, Stelleo Tolda, trabalhar em casa e outros executivos o seguirem. Segundo Patrícia, ajudou também o fato de a empresa, criada em 1999, início do boom da web, ter a cultura de trabalhar ferramentas digitais.

Nesse contexto, o desafio do home office também estava em não desestimular a interação presencial. “Tem gente que mesmo quando está no escritório prefere fazer reunião virtual”, diz. O RH estabeleceu uma agenda de reuniões e eventos fora do escritório que estimulam a interação entre os times.

Na Pipefy, 50% dos 250 profissionais trabalham totalmente remotos, o que inclui desenvolvedores no Egito, Paquistão e em vários estados do Brasil. Independentemente da origem, porém, quem ingressa precisa vir ao escritório brasileiro para uma integração de duas semanas. “É para reuniões quinzenais virtuais com o CEO, ao lado de outras 200 pessoas. Na comunicação do dia a dia, ele recorre a ferramentas de mensagens instantâneas, mas quando há um problema de gestão, gosta de ligar por vídeo, para sentir melhor uma situação de conflito.

Na visão de Padilha, a evolução da tecnologia permitiu não só eliminar certos ruídos e atrasos na comunicação, como uma maior colaboração. “Na área de design, o pessoal fala muito de post-it e lousa branca para criar um projeto. Mas nós usamos ferramentas de compartilhamento de tela onde podemos desenhar juntos, em tempo real”.

Na hora de criar suas políticas de gestão remota, a empresa precisa considerar que não é todo mundo que gostaria de viver uma experiência de trabalho como a de Padilha. “Tem gente que está bem estruturado, até tem um escritório, e vem se educando para trabalhar assim, mas tem profissional que não acha o home office a melhor opção”, diz Maria Eduarda Silveira, gerente de recrutamento da Robert Half.

É por isso que, na hora de estabelecer uma política para 100% dos funcionários, a empresa deve avaliar qual cultura interna quer criar e valorizar. Na Merck, que permite o trabalho remoto sem limites de dias por semana, a executiva Thais Motta prefere frequentar o escritório. “Eu tenho um escritório montado em casa, uma assistente que trabalha remoto, mas eu gosto de vir, sentar na minha mesa e da rotina que estabeleci aqui”, diz Thais, gerente de trade marketing. “A solidão me incomoda. Eu sou muito comunicativa”, diz. Para quem não tem opção e precisa passar a trabalhar em casa, a dica da Robert Half para minimizar a solidão é criar um cronograma definido, com lista de prioridades e cumprimento de prazos.

Foi o que fez o executivo Fernando Branco Ferreira, que viveu toda a carreira em escritórios de multinacionais e precisou se adaptar há sete meses quando assumiu a gerência de divisão agrícola e OTR da Apollo Tyres. “Há uma falsa ideia de que o home office nos ajuda a resolver nossos problemas pessoais ou ir à academia. Mas a verdade é que você precisa estabelecer uma rotina, um espaço, uma agenda. Do contrário: ou trabalhará sem parar ou não vai funcionar”.