Valor Econômico, v. 20, n. 4960, 14/03/2020. Política, p. A6

Bolsonaro participa de ato e pede “ajuda para governar”
Fabio Graner
Matheus Schuch



Depois de recomendar adiamento dos atos de rua previstos para ontem por conta da crise do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro surpreendeu e acabou trazendo para o Palácio do Planalto a mobilização contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). O movimento de Bolsonaro acirrou ainda mais os já exaltados ânimos políticos, em especial com o Parlamento, gerando reações duras de diversos congressistas.

Por volta das 13h, o presidente desceu a rampa do Planalto e passou cerca de uma hora confraternizando com manifestantes que atacavam principalmente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ao voltar para a residência oficial, no Palácio da Alvorada, Bolsonaro mais uma vez interagiu com militantes e fez um pedido aos seus apoiadores que ali o aguardavam: “Vocês me botaram aqui, agora têm que me ajudar a ficar e governar”.

Mais que quebrar o protocolo médico recomendado pelo próprio governo, depois que retornou dos Estados Unidos com pessoas infectadas pelo coronavírus em sua comitiva, o presidente Jair Bolsonaro demonstrou que está disposto a brigar. E, sem uma base parlamentar consistente, conta com uma tropa de populares para se defender nesses embates contra as instituições.

O ensolarado domingo parecia relativamente tranquilo após as recomendações do próprio presidente para se que se adiassem os protestos, feita em pronunciamento em cadeia de rádio e TV, na quinta-feira.

Bolsonaro não dava sinais de que iria sair. Por recomendação médica, estava em isolamento, devido ao temor derivado do contato que teve com pessoas com coronavírus.

Por volta do meio dia, porém, ele deixou o Alvorada e literalmente passeou por Brasília. Passou pela Esplanada dos Ministérios, onde ocorria a manifestação a seu favor e contra o Congresso e STF. Ali, o comboio presidencial foi saudado, sem que Bolsonaro mostrasse seu rosto. A comitiva, seguida por jornalistas, tornou-se uma mini-carreata. Passou pelo bairro Sudoeste, circulou próximo ao Hospital das Forças Armadas (onde ele costuma se consultar), contornou a rodoviária de Brasília e encerrou o circuito no Palácio do Planalto.

Acompanhado do lutador de MMA Borrachinha, Bolsonaro apareceu na rampa presidencial e foi saudado por alguns poucos populares. Ficou acenando às pessoas e, à medida que o público foi crescendo, desceu a rampa. De início, mostrou-se contido, evitando falar e se aproximar demais da rua, onde uma grade garante a separação entre a rua e o Palácio. O presidente, porém, foi se empolgando e passou a fazer contatos físicos e tirou muitas selfies, com os celulares das próprias pessoas, que se amontoavam perto deles.

Chutou ainda um boneco de plástico que remetia ao “pixuleco”, representação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com roupa de presidiário, que fez sucesso nos protestos a favor do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.

Gritos a favor do AI-5, momento mais grave da ditadura militar, e contra Rodrigo Maia e a imprensa eram pronunciados com frequência. E sem qualquer reprimenda ou contrariedade de Bolsonaro.

Além do lutador, o presidente passou grande parte do tempo acompanhado do diretor-presidente substituto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres. Médico e integrante da Marinha, Barra Torres filmou o ato pró-governo e fez registros do presidente com apoiadores. Bolsonaro, que deve repetir o teste de coronavírus nos próximos dias, não utilizou máscara em nenhum momento.

A quebra de protocolo médico em um grupo no qual muitos demonstravam ceticismo e levantavam teorias conspiratórias sobre o coronavírus se somou a uma série de gestos simbólicos por parte do presidente. Ele carregou uma bandeira do Brasil, apontou para o povo e para o Palácio do Planalto, como se dissesse “isso aqui é do povo”, e manteve em todo o tempo ao seu lado o lutador Borrachinha.

Era como se Bolsonaro estivesse arregimentando sua tropa, ainda que pequena e ocupando pouco mais de uma faixa do Eixo Monumental em frente ao Planalto. E apresentando-a ao Congresso e ao STF, que completam o conjunto arquitetônico da Praça dos Três Poderes.

Durante a semana, Bolsonaro algumas vezes negou que tenha estimulado as manifestações. Também repetiu que elas não seriam contra o Congresso e STF e sim a favor do Brasil. Mas o surpreendente encontro dele com seus apoiadores apontou em outra direção. A mensagem reforçada pelas diversas postagens de Bolsonaro nas redes sociais sobre as manifestações pelo Brasil.

Apesar da grande preocupação internacional sobre o coronavírus, dos alertas das autoridades e do decreto no Distrito Federal recomendando que se evite aglomerações, grande parte dos presentes parecia não ter qualquer preocupação com o risco de contrair a doença.

Alguns minimizavam, outros diziam que o vírus mais sério “é a corrupção”, e outros levantavam teorias conspiratórias sobre a China espalhar o vírus por razões econômicas.

Antes do ato protagonizado por Bolsonaro, as manifestações em Brasília ocorriam a partir de dois pontos de protestos. No Museu da República estava concentrado o pessoal que fez uma carreata. Por volta das 10 horas havia cerca de 150 veículos que partiram pela cidade.

O principal carro de som trazia uma faixa com os dizeres: "Fora Regina [Duarte, secretária de Cultura], namoradinha da esquerda exonera ala Bolsonaro e nomeia asseclas esquerdistas. Presidente, votamos no senhor para isso?".