Correio Braziliense, n. 21761, 15/10/2022. Política, p. 2

Ação contra desvios do orçamento secreto

Raphael Felice


A Polícia Federal no Maranhão prendeu, ontem, dois homens suspeitos de participar de um esquema para desviar verbas de emendas parlamentares destinadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), no estado e no Piauí. A Operação Quebra Ossos foi realizada em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF) e a Controladoria-Geral da União (CGU).

Segundo informou a PF, os dois presos são responsáveis por inserir dados falsos no SUS para desviar recursos, principalmente, das emendas de relator, conhecidas como orçamento secreto. A maior parte das irregularidades ocorreram no município de Igarapé Grande (MA), a 300km de São Luís. A investigação aponta que a cidade, com população de 11,5 mil habitantes, teria solicitado a realização de 12,7 mil radiografias de dedo em 2020.

A corporação não informou a identidade dos dois envolvidos, mas um deles é funcionário da Secretaria de Saúde de Igarapé Grande e outro não tinha vínculo formal como funcionário público da cidade.

De acordo com a CGU, um dos mecanismos usados para desviar os recursos foi pelo Sistema de Indicação Orçamentária, da Câmara. Por meio dele, o grupo poderia fazer destinações parlamentares que totalivam R$ 69 milhões.

Em nota, o órgão afirmou que já desconfiava dos desvios. “A CGU constatou que a produção informada pelos profissionais de saúde era demasiadamente inferior à inserida nos sistemas de registros do SUS. Os próprios relatórios de produção do Hospital Municipal Expedito Lopes Galvão, extraídos do sistema interno do hospital, apontam quantidades inferiores dos quantitativos informados no SIA/SUS”, informou.

Além de Igarapé Grande, a Justiça Federal do Maranhão expediu mandados de busca e apreensão para outros 16 endereços em outros quatro municípios maranhenses: Timon, Lago do Junco, Caxias e Lago dos Rodrigues, além de dois enviados ao Piauí: para Teresina e Parnaíba. As ordens judiciais foram expedidas pela Justiça Federal de Bacabal (MA).

 

Emendas

As emendas do relator do Orçamento foram criadas em 2019 e implementadas em 2020. O nome “orçamento secreto” surgiu porque o mecanismo permite que deputados e senadores repassem recursos da União sem que haja transparência sobre o parlamentar que os indicou. No documento de efetivação aparece apenas a assinatura do relator-geral do Orçamento. Também não é especificado o local para onde foi enviado o valor, o que facilita os desvios.

Em novembro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) chegou a suspender os repasses, mas voltou atrás e pediu mais transparência na execução das verbas.

Durante transmissão ao vivo nas redes sociais, ontem, o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, comentou sobre a operação da PF e procurou se descolar do orçamento secreto. Ele voltou a dizer que é contra a medida e que não tem controle sobre os recursos. O chefe do Executivo argumentou que tentou vetar o orçamento secreto em 2020, mas o Parlamento derrubou o veto.

“Eu não queria esse orçamento dito secreto. Não é secreto porque é publicado no Diário Oficial da União. O que é secreto é o relator-geral, que manda o recurso para lá. Eu preferia R$ 19 bilhões comigo, eu não ia abrir mão de poder”, disse. “Não temos acesso aos nomes dos parlamentares que destinam recursos pelo Brasil. Chega no respectivo ministério, ‘é para o programa tal’, e o ministro executa. Se dá um problema na ponta da linha, como deu hoje (ontem), estão botando na minha conta. Eu quero saber qual parlamentar que mandou recurso para lá, mas quem tem que dizer isso é o relator do Orçamento”, defendeu-se.