Correio Braziliense, n. 21760, 14/10/2022. Política, p. 4

Damares: relato veio de conversa na rua



A senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF) afirmou, ontem, que os relatos que fez, dias atrás, sobre a exploração sexual de crianças no Arquipélago de Marajó foram com base em conversas que teve com pessoas na rua. Ela admitiu isso em entrevista à Rádio Bandeirantes, quando indagada sobre as cobranças que tem recebido para apresentar provas sobre o vídeo em que conta os casos de violência, durante um culto em uma igreja evangélica em Goiânia, no último final de semana.

“O que eu falo no meu vídeo são as conversas que eu tenho com o povo na rua. Eu não tenho acesso, os dados são sigilosos. Mas nenhuma denúncia que chegou na ouvidoria deixou de ser encaminhada”, explicou. O vídeo foi amplamente divulgado entre os grupos de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Porém, pouco antes, na mesma entrevista, Damares deu outra versão para o caso. Ela afirmou que “relatórios da CPI da Pedofilia” do Senado e inquéritos poderiam comprovar as declarações. “Vocês querem que eu fale, agora, o nome da criança, o número do inquérito, o nome do delegado? Eu tenho aqui, eu estou em casa, mas tudo isso está documentado. Eu não estou inventando”, rebateu.

 

Sem denúncias

Ao mesmo tempo em que Damares não apresenta provas para as afirmações que fez sobre o abuso sexual de crianças e bebês em Marajó, o Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA) afirma que não existem denúncias semelhantes aos relatos da senadora. Em comunicado oficial, o órgão salientou que, nos últimos 30 anos, não se tem ciência das “torturas citadas” pela ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos.

“O Ministério Público Federal (MPF) atuou, de 2006 a 2015, em três inquéritos civis e um inquérito policial instaurados a partir de denúncias sobre supostos casos de tráfico internacional de crianças que teriam ocorrido desde 1992 no Arquipélago do Marajó, no Pará. Nenhuma das denúncias mencionou nada semelhante às torturas citadas pela ex-ministra”, diz a nota.

Diante dos relatos de Damares, a Polícia Civil e o MPF-PA solicitaram ao governo federal provas das declarações, além de descrever as medidas que teriam sido adotadas pela pasta então comandada pela senadora eleita.

Na nota, o MPF-PA afirmou que até agora não recebeu as comprovações solicitadas. “Em relação a denúncias recebidas pelo MPF que não tratavam de tráfico internacional de crianças ou de outro crime que deve ser julgado pela Justiça Federal, as denúncias foram encaminhadas ao Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA). Na última quarta-feira, o MP-PA divulgou nota informando que até agora também não recebeu denúncia formal ou prova do que a ex-ministra relatou”, salientou o órgão.

O MPF lembrou, também, do ofício encaminhado à secretária-executiva do Ministério dos Direitos Humanos, Tatiana Barbosa de Alvarenga, no qual solicitou informações sobre “todos os detalhes que a pasta possua, para que sejam tomadas as providências cabíveis”. (LP)

 

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