Valor Econômico, n. 4958, 12/03/2020. Empresas, p. B4

Com pandemia, universidades adotam ensino a distância

Andrew Jack
Jonathan Moules


De Brisbane a Barcelona e Boston, o coronavírus está forçando instituições de ensino superior de todas as partes do mundo a adaptarem as práticas de ensino e gerenciar a ausência de estudantes. Ao mesmo tempo, elas se preparam para as consequências econômicas e logísticas.

Joanna Newman, presidente da Association of Commonwealth Universities, diz que a maneira como as coisas são feitas, no curto e no longo prazo, terão de mudar. “Existe muita angústia com o impacto econômico”, diz ela. Newman acrescenta que o maior efeito até agora está ocorrendo na Austrália. O país está muito exposto por causa do grande número de estudantes chineses- 200.000 frequentam as universidades do país -, o que está forçando muitas instituições a se adaptarem para gerenciar o ensino a distância e cuidar daqueles que estão isolados no exterior ou que recentemente retornaram e estão de quarentena.

Atenta aos riscos de contágio de um grande número de estudantes estrangeiros e suas famílias, a Universidade de Buckingham e a Universidade de Londres cancelaram as cerimônias de formatura dos alunos em dezembro.

Muitas conferências acadêmicas estão sendo canceladas. Até mesmo nos países em que o número de contágio ainda é baixo, as instituições estão adotando medidas preventivas. Harvard proibiu todas as viagens aéreas internacionais relacionadas à universidade pelo menos até o fim de abril.

Instituições com intercâmbios e cursos planejados na Ásia adiaram essas iniciativas ou até mesmo trocaram de país. A Booth School of Business, da Universidade de Chicago, alterou seu cronograma para os estudantes que frequentariam programas em seu campus de Hong Kong, que em vez disso estão acontecendo em Londres.

As viagens de estudos - uma das principais características dos MBAs e de outros programas de negócios - também foram remarcadas. A Olin Business School, da Universidade de Washington, de St. Louis, transferiu de Xangai para Lima sua viagem compulsória de reta final de 38 dias, uma “imersão global” em três continentes. Mark Taylor, reitor da Olin, compara a atitude a um desafio em sala de aula no curso de MBA. “Líderes empresariais ágeis se reorganizam rapidamente quando um evento não esperado acontece”, diz. “Estamos colocando essas lições em prática.”

Além dos esforços para limitar o contágio da doença, universidades e escolas de negócios estão mudando para o ensino on-line - após anos de implementação lenta. Stanford cancelou todas as aulas pelo resto do semestre e os alunos farão seus exames em casa.

O coronavírus criou oportunidade para as plataformas de ensino on-line atenderem as massas. A Universidade Duke vem usando o Coursera, plataforma de ensino on-line, para continuar dando aulas para seus alunos no campus de Duke Kunshan, na China.

A escola de negócios MIP Politecnico di Milano cancelou todas as aulas presenciais e está usando sua plataforma de inteligência artificial, Flexa, originalmente desenvolvida como um coach on-line de carreiras para ex-alunos, para distribuir material dos cursos.

A IE University da Espanha transferiu todos os cursos do campus de Segóvia para a internet, pois dois casos de contágio foram confirmados entre os alunos. Outro aluno do principal campus da escola em Madri foi hospitalizado com o vírus e encontra-se em condições estáveis. Aulas ainda estão sendo dadas no campus de Madri, mas todos os 7.000 alunos da universidade estão recebendo acesso on-line a todas as aulas por meio dos sistemas de videoconferência da universidade. “Nosso compromisso é proteger a saúde de nossa comunidade”, diz Gonzalo Garland, vice-presidente de relações externas da IE. “Temos sorte. Como realizamos programas on-line há 20 anos, estamos preparados.”

No Reino Unido, por conta da onda de greves em algumas universidades no fim do ano passado, instituições já vinham revendo e desenvolvendo recursos on-line, como aulas pré-gravadas, para ajudar alunos que, de outra forma, seriam prejudicados.

No King’s College London, onde um aluno recebeu teste positivo para o coronavírus, os gestores estão se reunindo on-line por teleconferências, com não mais de duas pessoas permitidas em uma sala ao mesmo tempo.

No longo prazo, as universidades estão se preparando para consequências econômicas significativas, tanto das demandas por compensação por parte dos alunos, como para a possibilidade de haver menos estudantes internacionais - que pagam mensalidades maiores - em sua próxima admissão. A International Education Association da Austrália alertou este mês para um rombo de 6 bilhões a 8 bilhões de dólares australianos, caso estudantes chineses não possam frequentar o primeiro período letivo.

Um estudo recente do grupo de pesquisas QS sugere que, entre os estudantes internacionais que planejavam fazer o ensino superior fora de seus países, 10% vão ficar em casa e 37% trocariam de país para estudar.

A Universities UK, órgão que defende os interesses das universidades britânicas, disse que gostaria de explorar “a flexibilidade que poderia haver” nas exigências de proficiência em inglês do governo para a concessão de visto a estudantes internacionais. Estas exigências são feitas por alguns países antes das solicitações de estudo. Isso poderia incluir uma maior leniência com os resultados do exame ou a opção de o aluno estudar inglês quando chegar ao país.

David Hughes, presidente da Association of Colleges do Reino Unido, diz que membros da associação estão preocupados com a interrupção nos exames. “É muito difícil ver como as escolas, faculdades e o sistema de exames vão lidar com a pandemia. Alunos perderem semanas de estudo já não é bom. Não fazer o exames pode trazer consequências para a vida.” / Financial Times