Valor Econômico, n. 4958, 12/03/2020. Finanças, p. C1

Risco político agrava turbulência

Lucas Hirata
Victor Rezende


Em um momento que os ativos locais já eram duramente penalizados pela turbulência global, um novo elemento surgiu de surpresa para azedar ainda mais o clima dos negócios. O Congresso decidiu flexibilizar um dos termos do ajuste fiscal, deteriorando as perspectivas para os mercados. Além de colocar em xeque o cumprimento do teto de gastos, o episódio acirra a animosidade entre Legislativo e Executivo.

Ontem, os parlamentares derrubaram o veto do presidente Jair Bolsonaro ao projeto de lei que amplia os requisitos para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (veja Congresso derruba veto presidencial e amplia base para acesso ao BPC). Na prática, isso indica um afrouxamento nas regras da nova Previdência - uma das principais iniciativas que o governo defendeu em 2019 em busca da consolidação fiscal.

Esse embate entre Planalto e Congresso era a última coisa que os investidores queriam para o momento. Ontem, por causa da aversão a risco global, o Ibovespa sofreu seu segundo “circuit breaker” - interrupção do pregão por 30 minutos quando o índice cai 10% - em menos de uma semana e fechou em baixa de 7,64%, aos 85.171 pontos. O dólar comercial encerrou o dia em alta de 1,65%, cotado a R$ 4,7215.

O movimento negativo foi intensificado no mercado futuro, que ainda estava aberto quando o Congresso derrubou o veto ao projeto de lei. A notícia impulsionou a disparada tanto do dólar futuro quanto das taxas de juros, dois dos principais termômetros de risco no mercado. O contrato futuro de dólar para abril fechou na B3 em alta de 3,63%, a R$ 4,8235, e a taxa do DI para janeiro de 2027 avançou de 6,81% para 8,08%. Já o Ibovespa futuro despencou ainda mais e encerrou em queda de 13,02%, aos 80.540 pontos, enquanto o principal fundo de índice (ETF) de ações brasileiras negociado em Nova York cedia mais de 5% nos negócios do “after hours”. Esse movimento do mercado futuro promete uma abertura tensa hoje dos pregões.

A derrubada do veto é “muito ruim” para os mercados e mostra uma sinalização forte do Congresso contra os avanços fiscais recentes. É o que avalia o gestor Pedro Dreux, da Occam Brasil. “Num momento de fragilidade econômica, o Congresso veio na direção contrária e atacou o ajuste fiscal. O que mais nos preocupa é a sinalização que eles passam”, afirma.

Dreux aponta que o movimento nos mercados financeiros ontem já havia sido bastante intenso. “Foi uma liquidação geral de portfólio. Como o Ibovespa caiu de forma muito rápida, nem todos os agentes ajustaram e tivemos um processo de liquidação generalizada. Foi um ‘stop loss’ forçado. E o dólar, que servia como hedge, está controlado devido às intervenções recentes do Banco Central.”

Sócio da Wagner Investimentos, José Faria Junior nota que muitos fundos atuavam comprando ações e apostando na queda do juro longo, enquanto usavam o dólar como proteção. “Como o Banco Central tem atuado no câmbio e conseguido impedir uma alta maior do dólar, isso pode forçar a redução das posições nas taxas de longo prazo porque o hedge perde efetividade.”

Para hoje, o BC anunciou a venda de até US$ 1,5 bilhão no mercado à vista. Alguns operadores se mostraram decepcionados com o tamanho da intervenção. Agora, também aumenta o debate no mercado sobre uma atuação coordenada com o Tesouro Nacional, que por ora não anunciou operações extraordinárias para sanar disfuncionalidades no mercado.

O ajuste fiscal e a agenda de reformas estruturais no país são alguns dos principais pilares que vinham sustentando uma visão construtiva sobre o Brasil, mesmo com a deterioração dos preços dos ativos financeiros, na avaliação de Ed Kuczma, responsável pelo portfólio de renda variável da América Latina da BlackRock. O risco, então, ocorreria se o clima no Congresso mudasse para mais gastos.

Em declaração feita antes da derrubada do veto pelo Congresso, ele afirmou que esperava progresso nas reformas administrativas e tributárias. Ao mesmo tempo, já alertava: “as crescentes tensões entre os poderes Executivo e Legislativo levantaram preocupações sobre a probabilidade de um resultado positivo [das reformas] no curto prazo”, acrescenta.

Durante o pregão regular, quando os riscos externos concentravam o foco dos investidores, o gestor do Opportunity Marcos Mollica já indicava ver um cenário “crítico” de crise global. “É uma situação de incerteza que está prevalecendo por causa da proliferação do novo coronavírus e seus riscos econômicos. ”

Mollica diz que o momento exige cautela, baixa exposição a risco e manutenção de parte das posições - não de comprar ativos só porque parecem mais baratos. “Estamos tentando manter o risco baixo e tentar segurar o que temos sem entrar no pânico do mercado. Vamos sofrer um pouco, como todo mundo. Mas, por enquanto, acho muito cedo para tentar aumentar o risco aqui. A visibilidade está muito baixa e a volatilidade está muito alta. Não é prudente aumentar o risco”, afirma.