O Globo, n. 32615, 23/11/2022. Saúde, p. 20

Artilharia contra a ômicron

Alice Cravo


A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou de forma unânime nesta terça-feira o uso emergencial de duas vacinas contra a Covid-19 para serem aplicadas como doses de reforço em pessoas acima de 12 anos. Ambas são bivalentes e combatem novas variantes do coronavírus, como a ômicron. Agora, cabe ao Ministério da Saúde negociar com a Pfizer, laboratório responsável pelos imunizantes, para viabilizar a oferta dos produtos à população.

Podem receber a vacina pessoas com idade igual ou superior a 12 anos que tenham pelo menos um esquema de vacinação primária. As vacinas bivalentes podem ser aplicadas como dose de reforço a partir de 3 meses da serie primária ou 3 meses depois da administração do ultimo reforço por uma vacina contra a covid.

No ano passado, o governo fechou acordo para compra de 100 milhões de doses da Pfizer a serem entregues a partir de 2022. O contrato permite o acréscimo de mais 50 milhões de unidades de vacina para Covid-19, caso o ministério solicite, incluindo doses pediátricas ou de imunizantes atualizados, como esses que foram chancelados pela Anvisa.

A decisão da agência ocorre no momento de recrudescimento da doença no país. Na semana passada, o Ministério da Saúde emitiu alerta a respeito do aumento no número de casos de Covid-19 e da circulação de novas linhagens da variante ômicron. Uma delas facilita a entrada do vírus nas células humanas e a outra representa risco maior de reinfecção.

Antes mesmo de os dados relacionados ao coronavírus voltarem a escalar no Brasil, já em agosto, a Pfizer solicitou o registro temporário de uma vacina bivalente, eficiente no combate à subvariante BA.1 e à cepa original. No fim de setembro protocolou outro pedido, para um imunizante que contempla as subvariantes BA.4 e BA.5. Essas vacinas são eficazes no combate a uma parte das linhagens citadas pelo ministério na semana passada.

De acordo com a pasta, na semana de 6 a 11 de novembro, houve aumento de 120% na média de casos em comparação à semana anterior. Os óbitos cresceram 28% no período.

O ministro da Saúde Marcelo Queiroga afirmou ao GLOBO na semana passada que as novas vacinas da Pfizer poderão ser oferecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) quando elas fossem aprovadas pela Anvisa, o que ocorreu nesta terça. Na mesma ocasião, ele disse que a prioridade da pasta passa por ampliar a cobertura das doses de reforço.

— Mais importante é avançar na aplicação da 2ª dose de reforço no público para o qual já existe a recomendação. O aumento no número de casos tem que ser monitorado, mas as recomendações (de prevenção) são as mesmas — afirmou.

As questões relacionadas ao coronavírus e as estratégias de combate a ele já estão sendo debatidas pela equipe escalada pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para cuidar da área da saúde.

— Vamos tentar saber quais são as medidas do ministério para incorporar e fazer aquisição da nova vacina — adiantou o ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, integrante da transição.

Os votos

Todos os quatro diretores e o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, votaram a favor autorização emergencial dos novos imunizantes.

Primeira a votar, Meiruze Souza Freitas, diretora e relatora do pedido de autorização, afirmou que as vacinas bivalentes já são usadas em várias partes do mundo e que, apesar das vacinas originais continuarem eficazes, as bivalentes são uma ferramenta a mais de vacinação. Meiruze destacou que ainda não é possível saber a gravidade das variantes BA4/BA5 e que o cenário da pandemia reforça a necessidade de medidas de saúde pública.

— O cenário da pandemia reforça a necessidade da adoção de medidas de saúde pública. […] As vacinas contra a covid continuam sendo a melhor esperança para o controle da pandemia. Continuam sendo a melhor medida de saúde pública, oferecem alto nível de proteção contra agravamento da doença e hospitalização. As pessoas que receberam doses de reforço estão mais protegida — afirmou, completando:

— Nas últimas semanas, os números de casos confirmados de covid-19 tem mostrado aumento, e neste contexto é possível que no Brasil ocorra também o aumento de hospitalização, tornando essencial a estratégia de ampliar a vacinação e reforço e a disponibilização de mais vacina, incluindo as bivalentes que promovam uma resposta imune mais específica.

Meiruze ainda ressaltou que a população elegível para doses de reforço, principalmente aqueles que fazem parte de um grupo de risco, não devem atrasar a vacinação para aguardar a bivalente.

— Todas as vacinas de reforço aprovadas ajudam a melhorar a proteção obtida com as doses anteriores da vacina e ajudam a fornecer proteção contra adoecimento grave e óbitos — destacou.

Especialistas

Flavio da Fonseca, virologista do Centro em Tecnologia em Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), destaca que a oferta de imunizantes bivalentes à população ajudará a retardar a aparição de novas mutações do vírus.

— É importante incorporar essa vacina ao SUS. A gente aumenta a eficácia, que cai quando surge uma variante. Não sabemos quanto, mas ajuda a segurar o surgimento de novas variantes — diz Fonseca

Ethel Maciel, epidemiologista e professora Titular da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), ressalta, no entanto, que a nova leva de vacinas não vão por fim à doença.

— É importante ter vacina remodelada, mas também não podemos abrir mão de alertar para que a população tome as doses de reforço (das vacinas já disponíveis). Ela não podem ser esquecidas. Sobre os novos imunizantes, não estamos falando de uma bala de prata. Não vão vai resolver tudo — pondera.

O presidente do departamento de imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, Renato Kfouri, ressalta que a tendência mundial é de que as doses de reforço sejam aplicadas com vacinas atualizadas, capazes de combater as subvariantes que foram surgindo.

— Uma das principais missões que aprendemos com a Covid-19 é de que a duração da proteção da vacinação não é longa. Há uma perda de proteção natural. Vamos ter a possibilidade de fazer um reforço com uma resposta imune mais potente com o passar do tempo — avalia ele.

Kfouri destaca, ainda, que não é possível prever a periodicidade da necessidade de atualização das vacinas contra o coronavírus, uma vez que depende das características de cada nova linhagem do vírus.