Valor Econômico, n. 4958, 12/03/2020. Política, p. A10

Congresso derruba veto presidencial e amplia base para acesso ao BPC

Renan Truffi
Vandson Lima
Marcelo Ribeiro
Fabio Graner


Às vésperas de uma manifestação convocada pelo presidente e que tem como alvos o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), os parlamentares aprovaram ontem uma medida voltada à camada mais pobre da população e portadores de deficiência. Senadores e deputados derrubaram um veto presidencial que impedia a ampliação do acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). Hoje o auxílio é pago a pessoas com deficiência e idosos com renda per capita da família inferior a um quarto do salário mínimo. O projeto vetado pelo presidente ampliava para metade do salário mínimo. A medida foi vista como uma mensagem do Congresso ao Executivo, em meio à disputa pelo controle do Orçamento.

Segundo dados do Ministério da Economia, o aumento na faixa de renda para a concessão do benefício pode parecer mínimo, mas tem um impacto de R$ 20,1 bilhões já neste ano de 2020. Em dez anos, os dados são ainda mais alarmantes: representam uma despesa de aproximadamente R$ 217 bilhões para o Orçamento da União, de acordo com os técnicos da pasta. A explicação é que a mudança aprovada no Congresso provocará um aumento no número de famílias carentes que devem ser atendidas pelo programa.

A proposta de expansão do BPC foi aprovada pela Câmara e Senado ainda no ano passado, sem a devida indicação da receita que vai financiar esse aumento de despesa. Pouco tempo depois, a pedido do Ministério da Economia, o presidente Jair Bolsonaro decidiu vetar o dispositivo que trata da ampliação das faixas de renda que dão acesso ao benefício. O Congresso tem a prerrogativa de aceitar a decisão do Executivo ou revogá-la, como aconteceu ontem.

O veto estava previsto para ser apreciado como parte de um esforço do presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para limpar a pauta parlamentar. A razão é a necessidade de se colocar em votação um outro assunto, o projeto encaminhado pelo governo que regula o Orçamento impositivo. Como os vetos estavam à frente na fila de pendências, era necessário que esse item fosse analisado antes dos outros. Foi nesse contexto que os deputados e senadores tiveram que discutir sobre a ampliação ou não do BPC.

O veto foi derrubado primeiramente pelo Senado, quando 45 senadores votaram pela revogação contra apenas 14, que seguiram a orientação do governo. O movimento do Congresso surpreendeu e assustou os técnicos do governo. Se não bastasse a crise importada do coronavírus e do petróleo, um sinal inequívoco de fragilidade política no Congresso havia sido dado. Por conta disso, governo escalou líderes partidários e integrantes do próprio Ministério da Economia para fazer corpo a corpo no plenário ainda durante a votação. Nomes como o do secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, e do ex-ministro do Planejamento e assessor especial do ministro da Economia, Esteves Colnago, entraram em jogo para convencer os congressistas do impacto nas já combalidas contas públicas.

Em seguida, como parte do trâmite regimental, a Câmara também precisava se posicionar a respeito do tema. Para que o veto fosse derrubado, mais de 257 deputados, de um total de 513, precisavam votar contra o governo e a favor da ampliação do BPC. Foi o que aconteceu: 302 parlamentares contrariaram o governo e somente 137 seguiram a orientação da equipe econômica.

O trabalho de convencimento esbarrou justamente no apelo social do benefício. O BPC significa, na prática, o depósito de um salário mínimo por mês para pessoas com deficiência de qualquer idade ou para idosos com pelo menos 65 anos que tenham algum impedimento de longo prazo, seja de natureza física, mental, intelectual ou sensorial. O discurso contra o veto foi puxado pela senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), que é tetraplégica.

Deputados e senadores que votaram pela retirada do veto argumentaram que um quarto de salário mínimo é uma renda per capta restritiva demais, já que corresponde a apenas R$ 261,25. Com a mudança feita pelo Congresso, pessoas com deficiência e idosos com renda per capita de R$ 522,50 também poderão acessar o benefício. Para o Ministério da Economia, o momento não poderia ser pior, em razão da crise econômica mundial e os impactos da disseminação do coronavírus que estão devastando os mercados.

No passado, quando foi derrotado pela derrubada de veto na renegociação de dívidas do Pronaf, o ministério da Fazenda não cumpriu a decisão alegando não estar explicitada a fonte de receitas para bancar a nova despesa. Agora o quadro é mais complicado. O apelo popular do veto derrubado é alto, e vai deixar o presidente Jair Bolsonaro em uma saia justa, exatamente no Nordeste e Norte, onde tem maior fragilidade política.

Uma saída possível é a judicialização do tema, mediante recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) por a criação de uma despesa de R$ 20 bilhões não ser acompanhada da decisão sobre qual a receita, ou que imposto aumentar, para financiar esse gasto adicional como exige a Constituição Federal. Outra possibilidade é adiar neste ano a vigência da nova despesa com base em um Acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) aprovado em meados do ano passado. “Medidas legislativas que forem aprovadas sem a devida adequação orçamentária e financeira, e em inobservância ao que determina a legislação vigente (...) somente podem ser aplicadas se forem satisfeitos os requisitos previstos na citada legislação”, diz o TCU. A partir de 2021, contudo, a despesa terá que ser incluída no Orçamento, tomando espaço de outros gastos em um orçamento já bastante engessado.