O Globo, n. 32609, 17/11/2022. Economia, p. 19

Royalties do petróleo devem ter volume recorde

Carolina Nalin


A combinação entre a disparada do preço do barril de petróleo no mercado internacional, dólar alto e a expansão da produção nacional levaram União, estados e municípios a uma arrecadação recorde com os leilões de áreas de exploração, royalties e participações especiais com petróleo e gás no país em quatro anos, aponta um levantamento inédito do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

De 2019 até abril deste ano, sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), estima-se que o "bilhete premiado" -- como o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chamou o pré-sal brasileiro após sua descoberta em 2007-- tenha rendido aproximadamente R$ 282,63 bilhões aos cofres públicos. Considerando o total a ser recebido até o fim deste ano, o valor pode chegar a R$ 368 bilhões em quatro anos. A bonança, no entanto, não deve se repetir na mesma proporção nos próximos anos, dizem especialistas.

Segundo segundo projeção do CBIE, os governos federal, estaduais e municipais deverão receber até R$ 117,8 bilhões em participações governamentais na indústria do petróleo só em 2022. Deste total, R$ 44,9 bilhões deverão ser destinados à União, R$ 38,2 bilhões aos governos estaduais e R$ 24,7 bilhões às prefeituras. Até abril deste ano já foram recebidos R$ 31,56 bilhões.

Os dados fazem parte do novo estudo do CBIE, que lança nesta semana um relatório sobre o quanto União, estados e municípios arrecadaram com o petróleo desde 1999, considerando não só royalties e participações especiais, como também as receitas obtida nos leilões de concessão e partilha para exploração de poços petrolíferos. A consultoria pretende divulgar trimestralmente relatórios de acompanhamento da evolução dessa arrecadação no país.

O estudo torna possível elaborar um ranking com os estados e municípios que mais arrecadam receita com royalties de petróleo, além de realizar análises como a arrecadação por habitante, por exemplo. Será um instrumento útil na avaliação sobre a aplicação dos recursos.

As participações governamentais na indústria do petróleo incluem o pagamento de royalties, participações especiais, bônus de assinatura e pagamento pela ocupação ou retenção de área. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), são pagas pelas empresas concessionárias que possuem o direito de exploração e produção de petróleo e gás natural no território brasileiro.

'Era de ouro'

Os últimos quatro anos formam um período considerado a "era de ouro" pelos especialistas, uma vez que houve aumento da receita não apenas via royalties e participações especiais, mas também por meio do pagamento pela ocupação ou retenção de área e pelo bônus de assinatura.

Em 2019, somente o bônus de assinatura do Campo de Búzios obtido no leilão da cessão onerosa, realizado em outubro daquele ano, rendeu R$ 69,96 bilhões.

— Além do leilão em 2019, o preço do petróleo naquele ano estava entre US$ 60 e US$ 70, patamar já considerado elevado para a média histórica. Mas a arrancada mesmo foi em 2021. A recuperação da economia global e a guerra na Ucrânia fizeram o preço do petróleo superar a marca de US$ 100 o barril — explica Edmar Almeida, professor do Instituto de Energia da PUC-Rio.

Bonança não deve se repetir no governo Lula

Mas a festa pode ter data para terminar. Tamanha bonança concedida aos caixas dos governos não deve se repetir sob a gestão de Lula a partir de 2023, segundo analistas. A ANP prevê uma queda de 7,62% na receita total de royalties e participações especiais em 2023. E, a partir de 2024, a expansão deve ser retomada em ritmo bem mais moderado.

— Vamos ter uma produção cada vez maior de petróleo no Brasil em razão dos leilões, o que favorece o aumento da arrecadação. Mas vai depender do cenário internacional e do preço do barril de petróleo para sabermos se a arrecadação vai ser recorde como vimos esse ano ou se essa produção não vai ser compensada em razão do preço do barril — lembra Pedro Rodrigues, diretor e sócio da consultoria CBIE.

Almeida, da PUC-Rio, concorda:

— É difícil prever quando se tem todas essas variáveis de produção, câmbio e preço do petróleo na mesa. E você não tem todo ano um campo de Búzios para vender. Fato é que o governo não pode planejar um aumento da arrecadação (no setor de petróleo e gás), isso seria temerário. Não se sabe o que vai acontecer com o preço do petróleo porque depende da economia mundial e das questões geopolíticas.

Impacto na arrecadação a partir de 2023

Para os estados, o cenário que se desenha à frente em termos de receita oriunda do petróleo é ainda mais desafiador. Governadores já enfrentam forte restrição orçamentária com a fixação de um teto de 18% para o ICMS aplicado a serviços considerados essenciais como combustíveis, telecomunicações, energia e transportes por meio de lei aprovada no Congresso em 2020.

— De certa forma, pode haver uma compensação, já que estamos vendo a receita de royalties e participações governamentais aumentar por conta do preço do barril do petróleo. Por outro lado, as leis complementares aprovadas são um desafio que os governadores eleitos vão ter que enfrentar do ponto de vista fiscal — completa Rodrigues, do CBIE.