Correio Braziliense, n. 21742, 26/09/2022. Cidades, p. 14

Cenário imprevisível no próximo domingo



Apesar de as pesquisas de intenção de voto indicarem um eleitorado majoritariamente decidido, analistas indicam fatores às vésperas das eleições que podem mudar o cenário em 2 de outubro. Um deles é a abstenção, que pode ser facilitada neste ano pela possibilidade de justificativa por aplicativo. Há, ainda, o voto útil dos que defendem encerrar a disputa no primeiro turno, o chamado “voto envergonhado” — não revelado nas pesquisas —, e o porcentual de indecisos.

Baixo nos levantamentos estimulados (quando o pesquisador apresenta uma lista dos candidatos ao entrevistado), o índice de indecisos varia de 11% a 28% nas pesquisas espontâneas, aquelas em que os nomes dos candidatos não são apresentados ao eleitor durante a entrevista.

Segundo o cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Fernando Abrucio, a taxa de indecisos pode ser maior do que aparece nas pesquisas. “Alguns querem esperar até o fim para se informar mais e tomar uma decisão. Muitos podem ir para Simone Tebet (MDB) ou Ciro Gomes (PDT), outros querem decidir se vão votar em Lula (PT) como voto útil. O voto é uma combinação de fatores sociais e econômicos, além de valores. Bolsonaro estacionou porque a economia está melhorando, mas o bem-estar social não está”, aponta.

A abstenção também pode influenciar no resultado final da votação. O índice cresceu de 16%, em 2006, para 20,3% em 2018. Foram quase 30 milhões de pessoas que deixaram de votar naquela eleição. Para analistas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode ser o mais prejudicado com eventual alta de faltantes, mas ela também afetaria a votação de Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição.

De acordo com Abrucio, as classes D e E (cuja maioria declara voto em Lula) tendem a votar menos, assim como os idosos (maioria escolhe Bolsonaro). Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que, em 2018, o grupo com maior índice de abstenção foi o de analfabetos com mais de 60 anos (superior a 50%). Por outro lado, houve neste ano recorde de jovens abaixo dos 18 anos que tiraram título de eleitor — 2 milhões.

Para o diretor da Quaest, Felipe Nunes, a trajetória da mudança de intenção de voto dos eleitores é evidente. “As pessoas são capazes de mudar dependendo da dinâmica do sistema eleitoral. Aconteceu em 2018 e isso tende a acontecer em 2022. Não é desprezível o efeito que a gente pode ter de voto útil”, diz.

O mais recente levantamento do Datafolha mostrou que 11% admitem mudar de escolha para que a eleição presidencial acabe no primeiro turno. No Ipespe, 68% também disseram que preferem que termine no dia 2.

Ente os indecisos e erráticos, há os que podem fazer um “voto envergonhado” no próximo domingo. E, segundo analistas, dentre eles, os mais presentes seriam os evangélicos.

“O voto envergonhado evangélico é uma realidade. Criou-se um meio em que quem fala que vai votar no Lula sofre uma represália social”, disse o cientista político e diretor do Observatório Evangélico, Vinicius do Valle. A campanha de Bolsonaro aposta que exista também uma parcela de voto envergonhado para ele nos segmentos mais pobres. E o mesmo ocorreria em sentido inverso, nas faixas de maior renda, pró-Lula.

 

Economia

O tema mais frequente nas preocupações do eleitorado é a economia, conforme mostram as últimas rodadas das pesquisas. Para o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, o grupo de eleitores que recebe de dois a cinco salários mínimos é um dos mais afetados pela flutuação da carestia. Ele aponta que, historicamente, esses eleitores têm potencial de definir a eleição, por ser um segmento em disputa.

É o que acontece nesse pleito. Enquanto Lula avança entre os mais pobres e Bolsonaro entre os mais ricos, a classe C é disputada voto a voto. No Ipec, presidente e petista já assumiram a liderança mais de uma vez na série histórica, o que pode resultar em surpresas no dia 2.

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