Correio Braziliense, n. 21740, 24/09/2022. Política, p. 3

STF manda pôr matéria no ar

Ana Mendonça
Fabio Grecchi


O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou, ontem à noite, a liminar concedida pelo desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que mandava retirar reportagens do portal Uol sobre as transações imobiliárias da família Bolsonaro, com dinheiro vivo, ao longo dos anos. Na última quinta-feira, o magistrado tinha acolhido as argumentações da defesa dos advogados do senador Flávio Bolsonaro (PL) e revogou uma decisão anterior da 4ª Vara Criminal de Brasília.

No recurso impetrado no STF, o Uol alegou que a liminar era uma censura e impedia o exercício da atividade de imprensa, o que é inconstitucional. Na decisão, Mendonça salientou que “no Estado Democrático de Direito, deve ser assegurado aos brasileiros de todos os espectros político-ideológicos o amplo exercício da liberdade de expressão. Assim, o cerceamento a esse livre exercício, sob a modalidade de censura, a qualquer pretexto ou por melhores que sejam as intenções, máxime (especialmente) se tal restrição partir do Poder Judiciário, protetor último dos direito e garantias fundamentais, não encontra guarida na Carta Republicana de 1988”.

A decisão de Mendonça vale até o julgamento definitivo da ação. “Defiro o pedido liminar para determinar a imediata suspensão dos efeitos da decisão reclamada, permitindo-se à parte reclamante, por conseguinte, que restabeleça as matérias jornalísticas publicadas em seu site, assim como a divulgação dessas matérias em redes sociais, até o julgamento final desta reclamação”, salientou Mendonça.

Mais cedo, enquanto a liminar do desembargador ainda estava vigendo, o filho 01 do presidente comemorou aquilo que foi classificado como censura pelos demais candidatos à Presidência da República. “A decisão ainda afirma que o enredo mentiroso e criminoso estava sendo usado com cunho eleitoral, exatamente para atingir a imagem do presidente Bolsonaro. Por isso, a decisão de retirá-los imediatamente do ar. São anos de ataques mentirosos, de tentativa de assassinar nossa reputação pelo simples fato de não concordarem com o que nós defendemos para o nosso Brasil”, afirmou Flávio, em vídeo, ao fazer ataques à imprensa.

Ainda conforme disse o senador no vídeo, “não se trata de censura, estamos falando de justiça”. Flávio aproveitou o momento para passar confiança em uma vitória do pai no em primeiro turno, embora as pesquisas de intenção de voto não apontarem essa possibilidade.

“E é melhor ‘Jair se acostumando’ porque tem mais quatro anos de Bolsonaro aí pela frente”, provocou.

 

Censura

Nos bastidores da campanha de Bolsonaro, a decisão favorável à censura ao Uol não foi bem recebida. Os comentários foram de que tratou-se de mais um “tiro no pé”, que somente deu munição aos adversários do presidente. Além disso, com a polêmica que despertou, os integrantes do comitê calculam que a matéria será replicada nas redes sociais, alcançando aqueles que não tinham lido a reportagem ou sequer tinham tomado conhecimento dela.

No primeiro caso, de se tornar munição para os adversários, a reação foi imediata. O presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —  que lidera as pesquisas de intenção de votos — fez relação à censura ao site com os sigilos de um século que Bolsonaro tem decretado para questões que lhe são incômodas. “Será que o Bolsonaro também vai querer colocar sigilo de 100 anos na matéria do Uol sobre compra de imóveis em dinheiro vivo?”, tuitou.

Já Ciro Gomes, candidato do PDT, repudiou a atitude e classificou a retirada da reportagem do ar como “censura”. “Trata-se de um claro atentado à liberdade de imprensa, um ato de censura que relembra os tempos da ditadura. Tenho certeza de que essa equivocada liminar concedida pelo desembargador será cassada rapidamente”, afirmou.

Para o pedetista, “nada vai conseguir ocultar a corrupção escancarada da família Bolsonaro”. “Basta lembrar que, segundo o DataFolha, 69% dos brasileiros consideram que há corrupção no governo”, atacou.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgou nota repudiando a censura à reportagem. “A Abraji considera absurda a decisão judicial. Primeiro, porque é de interesse de toda a sociedade brasileira ter conhecimento sobre transações suspeitas envolvendo familiares do presidente — entre eles, três parlamentares. Em um contexto eleitoral, a liminar é ainda mais grave, pois impede o escrutínio público, cerceia o debate e impede o exercício livre da imprensa. A reportagem não faz ilações. As informações foram extraídas a partir da análise minuciosa de documentos coletados em cartórios durante sete meses, com mais de mil páginas lidas”, destacou.

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) considerou “inaceitável a censura que está sendo imposta ao portal de notícias Uol pelo desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios”.

Já a Associação Nacional de Jornais (ANJ) protestou, também por meio de nota, “contra mais um ato de censura à imprensa emanado pela Justiça, em total desacordo com o que determina a Constituição e privando os cidadãos do direito de serem livremente informados. A decisão liminar do desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti (...) contraria frontalmente a Constituição Federal, que não admite censura, e é mais um ato contra a liberdade de imprensa no Brasil”. (Com Agência Estado)

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