Valor Econômico, n. 4957, 11/03/2020. Opinião p. A13

Cenário pede corte significativo da Selic

Nilson Teixeira


A desaceleração econômica na maioria dos 105 países afetados pela epidemia do Coronavírus (Covid-19) será muito maior do que antecipado há algumas semanas. Apesar da incerteza sobre a magnitude e a duração dos efeitos da epidemia, órgãos multilaterais e instituições financeiras já reduziram bastante suas projeções de crescimento para essas economias. Mesmo sendo frágeis e incertas, as previsões de expansão global em 2020 recuaram em até um ponto percentual, ficando próximas a 2%. Essas revisões embutem alta probabilidade de o crescimento dos EUA ser zero neste trimestre e até mesmo no 1º semestre, com aceleração no 2º semestre.

Em resposta aos impactos desfavoráveis do Covid-19 e ao pânico criado na sociedade, em reunião extraordinária de 4 de março, o Fed diminuiu sua taxa básica de juros em 50 pontos base (pb), para o intervalo entre 1% e 1,25%. Mesmo após essa redução, a curva de juros de 10 de março apreçava corte do fed funds de mais de 50 pb na reunião de 18 de março e outros quase 50 pb em 29 de abril. Nesse caso, os juros diminuiriam para o intervalo entre 0% e 0,25%.

Essa atuação tende a ser seguida por muitos bancos centrais. Vários, por exemplo, já reduziram os seus juros ou sinalizaram adoção de política expansionista nas próximas reuniões. Parte desses bancos também tem clamado por políticas fiscais mais expansionistas.

A decisão da Arábia Saudita de reduzir o preço do petróleo contribuiu para o aumento da incerteza na economia global. O preço do petróleo WTI diminuiu 35% frente ao fim de janeiro, o que promoverá forte declínio da inflação na maioria dos países. A decisão provocou redução das posições e reforçou o declínio dos preços dos ativos de risco, que já vem ocorrendo por conta do Covid-19. O movimento desses preços desde o início de fevereiro até a última 2ª feira foi expressivo: os juros dos títulos de 10 anos dos EUA diminuíram de 1,59% para 0,58%; o índice da bolsa americana contraiu 16%; o Ibovespa diminuiu 24%; e o real depreciou 10% frente ao dólar. Esse movimento reflete um aumento da aversão ao risco e a incerteza sobre a disseminação e sobre os impactos econômicos da doença.

A previsão da Macro Capital de crescimento do PIB brasileiro para 2020 diminui de 2,2% para 1,5%, como reflexo, inicialmente, de fatores domésticos relativos à desaceleração da atividade entre novembro e fevereiro e, mais recentemente, dos efeitos globais da epidemia. Não se pode descartar uma contração da atividade no 1º trimestre deste ano e uma baixa expansão no 2º trimestre, o que elevaria a chance de o crescimento deste ano ser similar ao dos últimos três anos. A alegação de que a essa previsão é pessimista, por ser a economia local relativamente fechada, é fraca, quando cotejada com os EUA. A corrente de comércio (bens e serviços) do Brasil é de 28% do PIB, próxima a dos 27,5% dos EUA.

A comunicação do Copom, também em 4 de março, sobre a alteração da sua visão sobre a dinâmica da economia foi adequada. Em um ambiente de inflação baixa e controlada, a redução dos juros no Brasil seria bastante justificável, ao responder aos impactos desfavoráveis das medidas adotadas por diversos governos para combater a proliferação da doença. O pânico gerado pelo movimento dos preços e pela expectativa de deterioração dos fundamentos da economia sugerem que uma redução da Selic em 50 pb, ou mesmo 75pb, na reunião de 18 de março do Copom seria a resposta apropriada.

Na última 2ª feira, o Banco Central assinalou que o “estágio do ciclo econômico segue recomendando cautela na condução da política monetária”. Como resultado, a curva de juros passou a embutir apenas um afrouxamento total de cerca de 35 pb nas duas próximas reuniões. No meu entender, o Copom precisaria agir de forma mais vigorosa e imediata para atenuar a perda de confiança e o pânico nos mercados locais. Um ciclo de afrouxamento monetário de 25 pb por reunião não parece uma reação eloquente o suficiente para aplacar esse medo. Bancos centrais de mercados com juros reais negativos e bem mais baixos do que os do Brasil parecem, por exemplo, mais convictos sobre a necessidade de atuação firme da política monetária do que o supostamente sinalizado na palavra cautela.

Em termos comparativos, mesmo uma diminuição da Selic de 75 pb seria acanhada frente à expectativa de redução do fed funds de 150 pb prevista até abril, considerando que a economia dos EUA tem desempenho superior à do Brasil há anos. Apenas ilustrando, enquanto a taxa de desemprego no Brasil é de 11,2%, a dos EUA é de 3,5%.

A redução dos juros no Brasil dificilmente causaria depreciação cambial de forma permanente muito além da atual. O financiamento do déficit em transações correntes não mais exige o ingresso de recursos externos para aplicação em títulos públicos.

As previsões de IPCA para este ano e para o próximo, ainda que em menor grau, começaram a diminuir como reflexo de questões locais e das expectativas sobre o impacto da propagação do Covid-19. Isso sem considerar que a consolidação dos preços da gasolina no patamar da última 2ª feira tende a reduzir a inflação IPCA em 45 pb. A projeção de inflação IPCA para 2020 permaneceria estável em 3,2% (Focus de 6 de março) caso assumíssemos, tudo mais constante, taxa de câmbio de R$ 4,75 por dólar e repasse cambial para a inflação de 6% - acima da estimativa corrente inferior a 2% - para a inflação da recente depreciação do real de 11%. Ademais, a inflação seria de 3,6%, ainda inferior ao centro da meta, mesmo nas hipóteses de taxa de câmbio estável em R$ 5, de crescimento do PIB de 1,5% e de repasse cambial de 6%.

Em suma, entendo que a resposta monetária mais apropriada para as atuais circunstâncias seria a implementação de um corte de juros de 75bp em 18 de março, antecipando integralmente um orçamento de corte de juros compatível com o atual cenário econômico. Essa me parece a reação mais adequada para atenuar a perda de confiança na economia e reduzir o pânico que se espalhou nos mercados locais.

Nilson Teixeira é sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia e escreve quinzenalmente neste espaço.