Valor Econômico, n. 4955, 10/03/2020. Legislação & Tributos, p. E1

Auditores e procuradores lutam para manter adicionais com custo bilionário

Raphael Di Cunto
Beatriz Olivon 


O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem defendido novas regras para o funcionalismo público na reforma administrativa e criado atrito com os servidores, a quem chamou de “parasitas”, mas mantém sob sua alçada duas categorias com adicionais criados para substituir aumentos de salários que têm custado bilhões de reais à União. Em alguns casos, esses valores serviram para estourar o teto salarial previsto na Constituição, de R$ 39,2 mil.

Esses penduricalhos visam reproduzir, entre os servidores, verbas extras típicas da iniciativa privada. Foram criados em 2016, logo após o afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e posse provisória do ex-presidente Michel Temer (MDB), como uma forma de aumento salarial disfarçado para duas categorias fortes na administração pública.

Os funcionários da Receita Federal passaram a receber um bônus por produtividade - pago até aos aposentados. No ano passado, foi suspenso por decisão do Tribunal de Contas da União (TCU). Porém, o Ministério da Economia recorreu e obteve efeito suspensivo, segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco).

O TCU havia considerado ilegal o pagamento por não haver regulamentação e previsão orçamentária. O bônus custa cerca de R$ 1 bilhão por ano ao governo. É pago em valor fixo há mais de três anos, o que acabou afastando o objetivo previsto em lei de vinculação a metas e produtividade, segundo o sindicato.

Já os advogados públicos e procuradores da Fazenda Nacional ganham honorários de sucumbência como recompensa por vitórias em ações - o cálculo não é pela eficiência de cada um, mas pelo conjunto. O adicional existe para os servidores do Banco Central, Advocacia-Geral da União (AGU) e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), órgão ligado ao Ministério da Economia.

Esses pagamentos são questionados em quase 30 ações no Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2019, os advogados públicos com mais de quatro anos de carreira receberam cerca de R$ 90 mil cada - em torno de R$ 7,5 mil por mês. Quem tinha menos tempo de casa teve um bônus menor, de R$ 2,9 mil. Isso fez com que, só no ano passado, deixassem de entrar nos cofres públicos R$ 700 milhões, repassados para 12 mil servidores. Os dados são do Conselho Curador dos Honorários Advocatícios.

Desde janeiro, porém, parte desses servidores passou a ter um corte no benefício, por ultrapassar o teto de R$ 39,2 mil - a Constituição proíbe salários maiores que os dos ministros do STF. Isso ocorreu porque, com base em emenda do deputado Gilson Marques (Novo-SC) à lei de diretrizes orçamentárias (LDO), os honorários passaram a ser somados aos vencimentos.

O Ministério da Economia não tem um controle exato desses pagamentos, mas numa estimativa feita para o Valor calculou que a nova regra levará a economia de R$ 1,85 milhão por mês (R$ 22,2 milhões por ano). Segundo o Conselho Curador dos Honorários de Sucumbência, apenas 150 dos 12 mil advogados públicos estão no teto salarial do funcionalismo.

Mesmo assim, o governo resistiu a sancionar a nova regra e, em um primeiro momento, o presidente Jair Bolsonaro vetou o corte nos salários. O Congresso insistiu, aprovou emenda em outro projeto e Bolsonaro acabou acatando a medida, que passou a valer em janeiro - mas como a LDO trata das normas orçamentárias para um único ano, ficará em vigor apenas até dezembro de 2020.

Por isso, o partido de Marques tenta acabar com o pagamento dos honorários. O ex-líder do Novo na Câmara, deputado Marcel van Hatten (RS), apresentou em dezembro um projeto para que o dinheiro volte ao Tesouro Nacional e não seja mais distribuído para os funcionários. Ele argumenta que os advogados públicos já têm salário e estabilidade no emprego, enquanto seus pares da iniciativa privada vivem dos honorários.

Os advogados públicos trabalham contra o projeto e buscam convencer o relator, o deputado e também advogado Fábio Trad (PSD-MS), de apenas enquadrar os honorários no teto do funcionalismo, sem extinguir o benefício. “Há estudos que mostram que a cada R$ 1 de honorário, o erário recupera R$ 80. É uma forma de estimular a produtividade e transformar a carreira em um ponto de referência estabilizadora, e não um trampolim para outro cargo”, diz Trad. “Estou estudando essa alternativa, de limitar os pagamentos. ”

A Receita Federal afirma, em nota ao Valor, que durante a última negociação salarial, a categoria abriu mão de remuneração por subsídio, paridade entre ativos e aposentados e reajustes periódicos e, em troca, aceitou uma remuneração fixa, complementada por uma parte bem menor, variável e determinada pelo desempenho institucional.

O Sindifisco diz se tratar de uma gratificação prevista em lei, como outras que existem no serviço público. Para a entidade, o cenário de crise fiscal deveria ser mais uma razão para o governo desejar maior produtividade e eficiência da Receita. “Curioso que muitos defendem a meritocracia, mas quando chega na Receita Federal, não serve o argumento” Kleber Cabral, presidente do Sindifisco.

A defesa do Conselho Curador de Honorários é semelhante. A entidade alega que os honorários são uma ferramenta gerencial “magnífica”, que aumentou a cobrança por resultados entre os advogados, já que o trabalho de um afeta o dos outros. Os valores arrecadados vão para o conselho, que reserva 25% para melhorias na advocacia da União e distribui o restante aos profissionais.

Para a AGU, há incompreensão com os honorários. Segundo o órgão, em dois anos, a recuperação de valores só em causas fiscais foi de R$ 10 bilhões, o equivalente ao lucro anual do Banco do Brasil. O órgão destaca que a verba não é paga pelo poder público, mas por quem entrou na Justiça contra o Estado e perdeu.

De acordo com Marcelino Rodrigues, presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe), “é um ganha-ganha”. “Tanto recebemos um percentual do êxito, que não é pago pela União, quanto a União é beneficiada”, afirma ele, acrescentando que, desde a implementação dos honorários, houve acréscimo na recuperação de ativos para a União. “E pelo que sabemos não há nenhum movimento do governo contra essa prerrogativa, pelo contrário. ”