Valor Econômico, n. 4957, 11/03/2020. Brasil, p. A3

Banco ainda deve explicações, afirma ministro do TCU

Murillo Camarotto 



No que depender do Tribunal de Contas da União (TCU), o debate sobre a suposta “caixa-preta” do BNDES está longe de acabar. O órgão ainda aguarda explicações para cerca de US$ 5 bilhões aplicados no financiamento a exportações de serviços de engenharia e em aquisições do frigorífico JBS.

Relator desses processos no tribunal, o ministro-substituto Augusto Sherman disse ao Valor que a auditoria interna contratada pelo BNDES - e que apontou a ausência de irregularidades - não tem nenhuma influência sobre a investigação do TCU. “O tribunal vai tomar suas decisões com base nos documentos que ele próprio colher. Os resultados da auditoria do banco não devem interferir nas análises que o tribunal vai fazer”, disse.

No início deste ano, o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, confirmou que nada de ilegal foi encontrado pela auditoria contratada pelo banco por R$ 42,7 milhões. Recentemente, o executivo declarou em entrevista que eventuais prejuízos em certas operações não significam que houve ilegalidade.

Sherman concorda com a premissa, mas acredita que o BNDES ainda tem que demonstrar formalmente os benefícios sociais e econômicos considerados na hora de investir em determinados negócios. No caso específico dos frigoríficos adquiridos pela JBS com apoio do banco, segundo o ministro, os supostos benefícios ainda não foram apresentados.

O TCU aplicou a metodologia usada pelo próprio BNDES para calcular o valor justo das ações dos frigoríficos Swift, Smithfield, Pilgrim’s e Bertin, adquiridos pela JBS. A empresa, porém, teria pago valores maiores pelos ativos, gerando prejuízo estimado em R$ 1,59 bilhão.

Apesar do tamanho do prejuízo, o ministro destaca como mais importante o sumiço de US$ 2 bilhões injetados pela BNDESPar (braço de participações do banco) nas operações do frigorífico. De acordo com Sherman, o BNDES ainda não conseguiu comprovar que essa quantia foi, de fato, usada nas aquisições.

O TCU também aguarda explicações sobre as falhas técnicas identificadas no processo de aprovação desses investimentos. Uma amostragem usada pelo tribunal apontou que a média de tempo gasto para a liberação de um aporte do BNDESPar era de 116 dias. No caso da JBS, a operação mais demorada saiu em 30 dias.

“Caixa-preta é um termo jornalístico. O que identificamos foi desvio de finalidade”, disse o ministro, que tem origem no corpo técnico do TCU, é avesso a entrevistas e cauteloso nas palavras.

Ele também é responsável pelos oito processos que tratam dos financiamentos do BNDES a exportações de serviços de engenharia. Até agora, somente um processo, referente a obras rodoviárias, já tem acórdão. O processo indicou um desvio de finalidade de US$ 1,066 bilhão, ou seja, valor gasto sem uma justificativa convincente para o órgão.

Os documentos obtidos durante a fiscalização apontam que mais de 80% desse montante trata de “excesso de custos indiretos” das empreiteiras. Por causa dos indícios de irregularidades, foi aberto um processo de tomada de contas especial, no qual os funcionários do banco diretamente envolvidos nas operações estão sendo chamados a esclarecer todas as dúvidas do tribunal.

Segundo Sherman, a expectativa é que a tomada de contas seja concluída até o fim deste ano.

Entretanto, outros sete processos relativos as exportações de serviços de engenharia ainda não chegaram ao plenário. Até agora, porém, já foi identificado mais US$ 1,933 bilhão em desvio de finalidade, valores distribuídos nos setores de infraestrutura urbana (US$ 932 milhões), energia elétrica (US$ 585 milhões) e portos (US$ 416 milhões).

Entretanto, outros sete processos relativos as exportações de serviços de engenharia ainda não chegaram ao plenário. Até agora, porém, já foi identificado mais US$ 1,933 bilhão em desvio de finalidade, valores distribuídos nos setores de infraestrutura urbana (US$ 932 milhões), energia elétrica (US$ 585 milhões) e portos (US$ 416 milhões).

Sherman explica que, na maioria dos casos, o desvio de finalidade segue mais ou menos o mesmo padrão: para cada R$ 2 financiados pelo BNDES, R$ 1 refere-se realmente aos custos do serviço. O restante é classificado como desvio de finalidade e ainda carece de explicação.

Boa parte das informações obtidas pelo TCU com o BNDES só chegou após uma disputa judicial. Alegando a necessidade de proteger o sigilo de seus clientes, o banco deixou de encaminhar uma séria de dados e mandou outros tarjados. O caso foi ao Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou o envio de todas as informações. Sherman garante que, até o momento, está satisfeito com o que tem recebido.

Ele também se diz preocupado com a fulanização que é normalmente feita quando se trata das supostas irregularidades envolvendo o BNDES. “O tribunal não generaliza seus achados. Para cada um é preciso buscar os responsáveis diretos por aquela operação específica”, afirmou. Quem for declarado responsável poderá pagar multa e ficar inabilitado para trabalhar na administração pública federal. Procurada, a assessoria do banco não se manifestou até a conclusão desta edição.