Valor Econômico, n. 4955, 10/03/2020. Finanças, p. C2

BC reforça desconforto com o dólar

Marcelo Osakabe
Sérgio Tauhata
Victor Resende


O pânico instalado nos mercados globais se refletiu nos negócios com câmbio e juros locais logo no início do dia. Mesmo após duas intervenções do Banco Central no mercado à vista, o dólar terminou os negócios da segunda-feira em nova máxima histórica, cotado a R$

Este trecho é parte de conteúdo que pode ser compartilhado utilizando o link https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/03/10/bc-reforca-desconforto-com-o- 4,7282, após ultrapassar a marca de R$ 4,79 durante a manhã. O cenário de forte incerteza se refletiu ainda no mercado de juros futuros, com alta expressiva das taxas dos contratos de Depósito Interfinanceiro (DI), mesmo com uma grande parcela dos agentes financeiros continuando a ver cortes adicionais na taxa básica de juros.

No fechamento dos negócios de ontem, os juros futuros indicavam 79% de possibilidade de um corte de 0,25 ponto na semana que vem. Desde o início do dia, as taxas de longo prazo mostraram alta expressiva e a do DI para janeiro de 2025 chegou a tocar o nível de 6,75%, limite de oscilação diária.

Além da atuação mais robusta do BC no câmbio - foram US$ 3,465 bilhões em dois leilões no mercado à vista -, participantes de mercado também citaram os comentários realizados pelo diretor de política monetária, Bruno Serra, como um fator adicional para amenizar essa escalada. Ontem, o dirigente disse que os dados mostram um comportamento disfuncional do dólar e reiterou que poderá utilizar qualquer instrumento pelo tempo que for necessário para combater esse movimento.

Além disso, alguns analistas entenderam os comentários de Serra sobre juros como uma sinalização de que a autoridade monetária está mais desconfortável com a escalada recente do dólar.

“O BC tem espaço, não só de política monetária” para atuar em meio à crise provocada pelo coronavírus, disse Serra. Uma das ferramentas citadas foram os depósitos compulsórios, “que outros BCs não têm”, exemplificou.

“O BC já sabia que o câmbio ia desvalorizar, mas os comentários do Serra e o volume das intervenções são um indício de que a autoridade monetária ficou surpresa”, diz o economista-sênior da XP Investimentos, Marcos Ross.

O efeito combinado de todos esses fatores sobre a decisão do Copom na semana que vem, no entanto, ainda divide analistas. Para o diretor de política econômica do ASA Bank, Carlos Kawall, “a agudização da crise internacional e seus impactos nas condições financeiras” devem fazer com que o cenário de Selic em 3% se concretize. O ex-secretário do Tesouro espera agora dois cortes de 0,50 ponto - um em março e outro em maio - seguido de um de 0,25 ponto em junho.

Questionado sobre se o dólar em alta limita o espaço para novos cortes no juro, Kawall afirma que as políticas monetária e cambial têm objetivos diferentes. “A primeira tem como referência a meta de inflação e a segunda deve evitar que o movimento do câmbio seja disfuncional, preservando a taxa flutuante. Discordo totalmente da ideia de que o BC errou no comunicado da semana passada e de que é incoerente cortar juros em momentos de intervenção no câmbio”, diz o ex-secretário do Tesouro Nacional.

Entre os que pregam maior parcimônia, o economista-chefe para Brasil do Barclays, Roberto Secemski, diz agora esperar dois cortes de 0,25 ponto. “Tendo em mente a fluidez da situação e a alta volatilidade do real, esperamos que o Copom retome os cortes na Selic, mantendo uma postura relativamente cautelosa”, diz o profissional, que não descarta, contudo, queda de 0,50 ponto neste mês “se a moeda se estabilizar e recuperar algum terreno”.

Tatiana Pinheiro, economista-chefe da BNP Paribas Asset Management, também vê maior gradualismo. De um cenário de estabilidade, a casa passou a trabalhar com três cortes de 0,25 ponto, levando a Selic a 3,5%.

A possível mudança de estratégia para os juros por causa da escalada cambial não é exclusividade do Brasil. O Standard Chartered nota que, embora os juros de países emergentes tenham caído juntamente com as curvas de países desenvolvidos num primeiro momento, o dólar forte pode acabar impedindo esses BCs de aproveitar esse momento para estimular suas respectivas economias. “Caso a volatilidade permaneça elevada, as moedas emergentes sofrerão ainda mais pressão e, nesse cenário, os bancos centrais desses países podem ser compelidos a reverter o curso e soar mais ‘hawkish’ (favorável à manutenção dos juros) para desincentivar uma fuga de capitais”, diz o banco em relatório.

O Standard Chartered ressalta que as moedas da América Latina registram os piores desempenhos entre os emergentes, o que significa que os BCs da região podem ser confrontados mais rapidamente com essa escolha. “Com o peso chileno acumulando queda de 25% nos últimos doze meses contra o dólar, entendemos que a curva de juros do país como a mais vulnerável. As curvas do México e do Brasil também estão sob ameaça, em nossa visão. ”

De olho na escalada do peso mexicano e na inflação perto da banda superior da meta, a Capital Economics, inclusive, já passou a projetar que o Banxico não conseguirá cortar juros este mês, como inicialmente imaginado.

“Anteriormente, acreditávamos que o BC mexicano iria aproveitar a ação do Fed para prover algum estímulo à economia morosa do país, que registrou contração no ano passado. Com o peso sob pressão, este passo agora é improvável”, diz a consultoria em relatório.