Valor Econômico, n. 4955, 10/03/2020. Finanças, p. C9

‘Crash’ do petróleo afeta mercado de crédito

Sérgio Tauhata


“O momento não poderia ser pior”, disse o executivo-chefe global de investimentos do Julius Baer, Yvez Bonzon, sobre o efeito da nova guerra de preços de petróleo para o mercado financeiro. O CIO do banco suíço alertou para a tendência de o novo choque acentuar a deterioração das economias no curto prazo “conforme se intensifique uma retração do crédito”.

A decisão da Arábia Saudita no fim de semana de cortar em 10% os preços do próprio produto exportado e a sinalização de que pretende aumentar a produção para recuperar participação de mercado deflagrou uma guerra de preços. Com isso, as cotações da commodity amargaram a pior queda desde a Guerra do Golfo, em 1991.

A ação dos sauditas veio na esteira do fracasso nas negociações entre a

Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) com a Rússia, segundo maior produtor em termos nominais, sobre um corte extra coordenado para sustentar as cotações do barril.

O problema é que o novo choque atinge os mercados justamente em um período no qual as incertezas trazidas pelas medidas de contenção do coronavírus impactam as cadeias produtivas e reduzem tanto a oferta quanto a demanda, com reflexos no mercado de crédito privado. “As incertezas raramente estiveram tão extremas”, afirmou Bonzon, sobre o cenário combinado do coronavírus e o “crash” do petróleo. O CIO do Julius Baer ressalta que, caso o barril caia para abaixo de US$ 30, “pode levar a muitos defaults de crédito” no setor de energia.

A economista sênior para os EUA da Oxford, Lydia Boussour, enxerga cenário parecido. “Com os preços das ações caindo, os spreads dos bônus high-yield [de títulos de empresas com perfil mais arriscado e que pagam prêmios elevados] no setor de energia disparando e as margens sendo apertadas, nós não podemos descontar o risco de ‘downgrades’ [de ratings] e defaults [de bônus] no setor de energia. ”

“O ‘crash’ do petróleo ocorre em um momento no qual o mercado de crédito começa a exibir sinais de angústia”, afirma. Lydia aponta que os spreads de crédito high-yield saltaram 50 pontos-base na sexta-feira passada, para o nível mais elevado desde julho de 2016. “O declínio dos preços do petróleo pode ser o gatilho para uma grande venda de bônus high-yield relacionados ao setor de energia e levar a uma onda de downgrades e defaults que podem se espalhar a outros segmentos do mercado de crédito”, resume a analista.

A Moody’s vê o mercado de bônus high-yield global como “suscetível a um salto de 500 pontos-base no spread médio em relação aos Treasuries”. Para a agência de classificação de risco, “essa ameaça pode persistir até que os riscos do coronavírus se enfraqueçam de maneira convincente”.

Segundo a classificadora, a média para a frequência esperada de default dos emissores high-yield de EUA e Canadá subiu para 6,02% em 4 de março na esteira das incertezas do Covid-19. É apenas a quarta vez que essa média ultrapassa 6%, desde 1996, quando a série teve início. Uma dessas ocasiões foi em outubro de 2008, no início da crise financeira global.

O choque visto no preço do petróleo deve prejudicar principalmente as empresas com necessidade de refinanciamento nos próximos sei meses, aponta a Moody’s. Segundo o diretor-gerente, Steve Wood, a agência já estava analisando as consequências da exposição das empresas a preços mais baixos do petróleo, em função dos efeitos do Covid-19 na economia global.

O principal conselheiro econômico da Allianz e ex-CEO da Pimco, Mohamed El Erian, afirmou, em artigo para o “Financial Times”, que a guerra de preços do petróleo “ameaça a viabilidade de pequenas companhias de óleo e gás e enfraquece partes do mercado de dívida corporativa”.

De acordo com El Erian, “pelo fato de que essa correção está acontecendo de maneira desordenada, há um risco de danos colaterais ao mundo financeiro e à economia real”. O conselheiro da Allianz vê similaridades nas turbulências atuais com o comportamento dos mercados durante a crise financeira há 12 anos. “Desse modo, cresce a possibilidade de recessão entre uma longa lista de países que inclui Alemanha, Itália e Japão", avalia.