O Globo, n. 32602, 10/11/2022. Política, p. 4

Costura iniciada

Bruno Góes
Jeniffer Gularte
Mariana Muniz
Gabriel Shinohara


Pela primeira vez em Brasília desde que foi eleito presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visitou ontem a cúpula do Congresso para costurar acordos políticos que garantam governabilidade ao novo governo. Ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o petista pediu ajuda para aprovar ainda neste ano a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que permitirá à futura gestão cumprir promessas de campanha sem ferir regras fiscais, como o pagamento do Bolsa Família de R$ 600. Em troca, prometeu não interferir nas disputas pelos comandos das duas casas, marcadas para fevereiro.

Na conversa com Lira, a primeira da série de reuniões com autoridades que teve ao longo do dia, Lula disse que sua gestão será pautada pelo diálogo e pela “pacificação” da vida pública, numa referência velada ao presidente Jair Bolsonaro (PL), cujo governo foi marcado pelas sucessivas crises com o Congresso e com o Judiciário. Em entrevista já no início da noite, afirmou que o país precisa “voltar à normalidade” e que o PT precisa aprender a negociar com o Centrão, grupo politico aliado do atual governo e do qual Lira é um dos principais líderes.

— Eu não enxergo na Câmara, no Senado, essa coisa de Centrão. Eu enxergo deputados eleitos com quem vamos ter que conversar para garantir as coisas que serão necessárias para melhorar a vida do povo brasileiro. Não há tempo para vingança, não há tempo para raiva e não há tempo para ódio. O tempo é de governar — declarou Lula, acrescentando:

— O Centrão é uma composição de vários partidos políticos com os quais o PT tem que aprender a conversar.

Recado nas entrelinhas

Na reunião com Lira, segundo o relato de participantes, Lula deixou implícito que o PT não terá um candidato à presidência da Câmara e que o Executivo não deve se posicionar, como costuma acontecer. O deputado do PP também conta com apoio de petistas para ser reconduzido ao cargo.

A estratégia de Lula é uma tentativa de evitar erros como o ocorrido em 2015, quando a então presidente Dilma Rousseff insistiu em lançar um nome do PT para concorrer contra Eduardo Cunha, o líder do Centrão na época. O episódio acentuou o isolamento político da petista, culminando no impeachment no ano seguinte.

— Ele (Lula) acha que não é papel do presidente da República interferir em assuntos internos da Casa — disse o líder do PT na Câmara, Reginaldo Lopes (MG).

A conversa entre Lula e Lira, que chegaram a trocar farpas durante a campanha eleitoral, se deu em tom amistoso e cordial. O presidente eleito mandou abraços ao pai do chefe da Câmara, Benedito Lira, que foi deputado da base aliada nos dois primeiros mandatos do petista como presidente. Ao fim do encontro, na residência oficial, posaram juntos para fotos.

O distanciamento da disputa no Legislativo, pelo menos por enquanto, também é uma forma de não desagradar aliados que podem integrar a base do governo. Na noite de ante ontem, por exemplo, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, organizou um jantar em Brasília e indiciou que a legenda deve se aliar a Lula. Declarou, contudo, apoio à reeleição de Lira na Câmara.

— Existe, sim, um encaminhamento para integrar a base de Lula. E isso vai se consolidar ao longo do tempo, nos próximos passos. Nós estaremos representados por essa aliança pela governabilidade — disse Kassab.

Diante da sinalização de apoio do PSD, a conversa de Lula com Pacheco, segundo parlamentares que estiveram presentes, foi como a de velhos amigos. Os dois almoçaram juntos e chegaram a conversar reservadamente, longe dos demais, por cerca de 20 minutos.

Antes mesmo de o presidente eleito chegar a Brasília, senadores petistas já haviam preparado o terreno articulando o apoio de Pacheco à tramitação da PEC da Transição.

No entanto, diferentemente da Câmara, onde Lira prefere o governo distante da disputa por sua sucessão, no Senado, o PSD quer empenho do petista para reeleger o atual presidente da Casa.