O Globo, n. 32601, 09/11/2022. Mundo, p. 22

Promessas de zerar desmate ficaram pelo caminho

Ana Rosa Alves


Um ano após o Brasil e outros 144 países assinarem um pacto para zerar o desmatamento ilegal até 2030, o comprometimento com a Declaração sobre Florestas e Uso da Terra é posto em xeque na COP27, que começou domingo em Sharm el-Sheikh, no Egito. Nem 20% dos signatários aderiram à aliança que visa implementar a promessa.

Se a declaração de 2021 englobava 90% das florestas do mundo, a Parceria de Líderes para a Floresta e Clima, assinada na segunda-feira, cobre apenas 33% das áreas florestais do planeta. Inclui 25 nações signatárias e a União Europeia, mas o que chama atenção são as ausências de peso, entre elas o Brasil, lar da maior floresta tropical do planeta.

— Estamos na COP da implementação, e o que esse baixo quórum mostra é que, na hora da promessa, é possível angariar vários países, mas na hora de implementá-las, nem tanto —disse ao GLOBO Stela Herschmann, especialista em políticas climáticas do Observatório do Clima. — O Brasil é um deles. Assinou no ano passado sem nenhuma intenção de implementar, tanto é que neste ano não aderiu e continua a ser o país responsável por um terço do desmatamento no mundo.

As altas taxas de desmatamento brasileiras foram citadas como maus exemplos no lançamento. A expectativa, no entanto, é de que o posicionamento nacional seja revisto a partir de 1º de janeiro, com a troca de comando no Planalto e a promessa do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que viajará ao Egito na semana que vem, de levar o desmate ilegal a zero.

Disparada com Bolsonaro

Para a Alemanha, que anunciou horas após o resultado do segundo turno, juntamente com a Noruega, a retomada do Fundo Amazônia após três anos de paralisação, os compromissos petistas são “muito animadores”. Tom similar foi adotado por John Kerry, enviado especial do clima do presidente dos EUA, Joe Biden.

— Sabemos o que o presidente eleito Lula fez quando esteve na Presidência e sabemos o que ele está preparado para construir — disse o czar climático da Casa Branca durante o evento de lançamento da parceria, que na América do Sul tem a participação de Colômbia, Equador e Guiana.

De 2004 a 2012, nos governos de Lula e de Dilma Rousseff, o desmate caiu 80% na Amazônia, em parte devido ao sucesso do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal. Nos últimos três anos, em meio às catastróficas políticas ambientais do presidente Jair Bolsonaro, subiu 73%.

Os dados do sistema Prodes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) referentes ao último ano fiscal ainda não são conhecidos, apesar de sua divulgação habitualmente ocorrer no fim de outubro. Em 2021, foram liberados pouco após a COP26, apesar de vir à tona que estavam prontos desde antes doevento.

Não é só no Brasil que há retrocessos: para cumprir a promessa, segundo dados lançados pelo projeto de monitoramento Global Forest Watch, o mundo precisaria reduzir o desmate em 10% ao ano entre 2021 e 2030. No ano passado, a queda foi de apenas 6,3%.

Ao longo das últimas duas décadas, as taxas de desmatamento na República Democrática do Congo, lar da segunda maior floresta tropical do planeta, são as maiores da História. A Indonésia, que completa o top 3 das áreas de floresta tropical, vem conseguindo reduzir suas taxas. Segundo informações antecipadas pela agência Reuters em agosto, os petistas negociam com os governos de ambos países uma aliança de preservação. O ex chanceler Celso Amorim, um dos principais conselheiros de Lula, já havia sinalizado no mês passado que o petista planeja uma cúpula ambiental para o ano que vem.

Os países da parceria liderada pelo Reino Unido e coordenada pelos EUA e por Gana representam juntos quase 60% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Rússia, China, República Democrática do Congo e Peru são ausências sentidas ao lado do Brasil, no entanto —o quinteto sozinho abriga quase metade das florestas tropicais do mundo.

US$ 2,4 trianuais até 2030

Na COP26, 12 países anunciaram US$ 12 bilhões de financiamento público para a proteção florestal em países em desenvolvimento, e cerca de 22% da quantia já foram gastos. O único sinal de novos investimentos públicos até agora veio da Alemanha, que se comprometeu a dobrar sua ajuda internacional para a preservação de US$ 1 bilhão para US$ 2 bilhões até 2025. O financiamento climático continuou a ser chave no segundo dia de debates, com países pobres e em desenvolvimento pedindo maior compromisso.

E segundo um relatório das presidências da COP27 e da COP26, em Glasgow, as promessas atuais estão muito aquém do necessário: os países emergentes, com exceção da China, precisarão de até US$ 2,4 trilhões/ano até 2030 para combater as mudanças climáticas, e quase metade do valor deverá vir de investidores internacionais, países ricos ou organismos multilaterais.