Valor Econômico, n. 4955, 10/03/2020. Internacional, p. A11

Cresce risco de recessão global devido à epidemia
Marsílea Gombata
Assis Moreira


O avanço do coronavírus para economias importantes além da China aumentou o risco de uma recessão global em 2020. Isso porque a epidemia começou a pesar na atividade de países da Europa, além de EUA e Coreia do Sul. Se o covid-19, que já atinge 104 países, continuar a derrubar mercados e minar a confiança de consumidores e investidores, o mundo dificilmente escapará de uma recessão, disseram diversas fontes ao Valor.

Evitar uma recessão neste ano, dizem economistas, dependerá do impacto do covid-19 na população e das políticas econômicas adotadas para responder à crise.

“Os riscos de recessão existem e são cada vez maiores. Mas o que vai acontecer dependerá do tamanho do ‘apagão’ econômico nas grandes cidades. Começamos a ver grandes impactos fora da China, e esses choques podem significar forte desaceleração e recessão”, afirmou Gregory Daco, da consultoria Oxford Economics.

A consultoria rebaixou a projeção de crescimento global de 2,5% para 2% neste ano, mas uma nova revisão nos próximos dias é possível. Em relatório, a Oxford Economics diz que a recessão ainda não é uma consequência inevitável da epidemia, mas até “uma onda modesta de más notícias” pode fazer dela o cenário base deste ano.

A questão não é só o número de casos, mas o nível de disrupção na economia por conta das medidas para conter a epidemia, diz a consultoria. “Ações desproporcionais enfraquecerão a atividade e podem induzir o pânico, aumentando chances de adiamento ou cancelamento de investimentos e gastos de consumidores. ”

Alberto Ramos, do banco Goldman Sachs, diz que uma recessão pode atingir todas as grandes economias neste primeiro semestre. “Claramente estamos caminhando nessa direção. O cenário provável é de impacto significativo na atividade global no primeiro trimestre e, provavelmente, em boa parte do segundo”, diz. “Hoje o coronavírus afeta não apenas a China, mas também Itália, EUA, Coreia do Sul. As pessoas adotam comportamento defensivo, e isso pesa em setores como serviços. ”

Na última semana, o Goldman Sachs revisou sua projeção de crescimento da China de 5,9% para 5% para 2020. Para os EUA, a revisão foi de 2,1% para 1,3%. E para a economia global, de 3,2% para 2%.

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que apontava desaceleração da atividade antes mesmo da epidemia, foi a primeira entidade a reduzir projeções por causa do covid-19. Sua estimativa passou de 2,9% para 2,4%, abaixo do patamar de 2,5%, considerado recessivo para a economia global.

“Recessão não é automática. Criam-se incertezas, o investimento se retrai e a economia começa a cair”, diz uma importante personalidade econômica internacional, ao observar que a possibilidade de recessão já existia com a guerra comercial. Agora, com o coronavírus e cadeias de suprimento bastante afetadas, o risco cresceu.

O banco holandês Rabobank, por exemplo, vê uma recessão global como quase certa. “Acreditamos que a epidemia arrastará a zona do euro para uma recessão”, diz o banco. O banco prevê que a zona do euro crescerá 0,2% no ano, ante 1% previsto anteriormente, com expansão zero ou contração do primeiro ao terceiro trimestre.

Para Richard Kozul-Wright, um dos principais economistas da Unctad, uma recessão é possível especialmente na Europa. Ele nota que, entre 117 economias em desenvolvimento, um quinto está altamente vulnerável a impactos diretos do coronavírus por causa da combinação de deterioração das condições para pagar a dívida externa e uma alta exposição às relações comerciais com a China.

A combinação de choques de oferta e de demanda afeta com força a Europa. Empresas não conseguem produzir dada a falta de peças e de componentes fabricados na China. A demanda chinesa, por sua vez, também está caindo.

Uma autoridade econômica nota que a China está reabrindo as fábricas, e isso pode atenuar problemas nas cadeias de produção. Mas restrições impostas para conter o vírus desaceleram a economia.

Na Itália, por exemplo, uma recessão parece inevitável, na avaliação da corretora japonesa Daiwa, dada as medidas restritivas adotadas pelo governo contra o vírus.

A economia japonesa também está a caminho da recessão. Uma forte baixa na produção industrial vem sendo acompanhada da maior queda no setor de serviços desde a crise financeira de 2008.

Economistas alertam que a mais longa expansão da história dos EUA pode já ter terminado. Pesquisa da State Street Associates e do Massachusetts Institute of Technology indica que a economia americana estava vulnerável à recessão antes mesmo do covid-19.

Ontem Wall Street teve as maiores perdas diárias desde a crise financeira de 2008. Preocupações com recessão global aumentaram com temores em relação ao coronavírus e à queda do preço do petróleo. “Os mercados estão precificando uma alta probabilidade de recessão”, disse Peter Cardillo, da Spartan Capital Securities. “Há muito medo no mercado e, se o preço do petróleo continuar em queda, é uma indicação de que uma recessão não está longe. ”

Kenneth Rogoff, da Universidade Harvard, observou em artigo que pode ser cedo para prever a evolução de longo prazo da epidemia, mas a possibilidade de se anunciar uma recessão mundial pode estar “muito próxima”.

No melhor dos cenários, ou seja, se a situação começar a se normalizar nos próximos dois meses, o Instituto Internacional de Finanças (IIF) prevê que a China cresça 4% e os EUA, 1,3% neste ano. “Isso, juntamente com outras revisões para baixo, pode reduzir o crescimento global para 1%, muito abaixo dos 2,6% do ano passado e o mais fraco crescimento a crise financeira global”, diz Sergi Lanau, do IIF.

Na semana passada, o IIF afirmou em relatório ter previsto “com alto grau de convicção” no ano passado que não haveria recessão em 2020. Mas, com o covid-19, o mundo está em outra situação e nem mesmo um cenário sem recessão é possível garantir mais.

A colapso do preço do petróleo - queda de mais de 24% ontem - contribuiu para o medo de recessão iminente. “A queda dos preços é outra fonte de tensão. Vai além dos efeitos do coronavírus e causa estresse no mercado financeiro, que pode se espalhar para setores além do de energia”, diz Daco.

A consultoria Capital Economics considera que a enorme baixa no preço do petróleo ontem elevou a ameaça de “desaceleração mais profunda” globalmente.

Em teleconferência hoje, líderes europeus discutirão possíveis respostas à epidemia. (Com agências internacionais)