Valor Econômico, n. 4954, 06/03/2020. Finanças, p. C2

BC deveria reconsiderar sinal de corte

Alex Ribeiro


Especialistas em política monetária ouvidos pelo Valor acham que o Banco Central deveria rever a sua indicação de corte na taxa básica de juros, diante dos sinais de deterioração do risco país e da escalada da taxa de câmbio. “Não deu certo”, afirma um ex-membro do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, de forma reservada. “Quando não funciona, a melhora saída é voltar atrás e reparar o erro. ”

Integrantes do colegiado em diferentes formações do Copom afirmam que há uma inconsistência entre a atuação do Banco Central no câmbio, com a venda de dólares no mercado futuro, e a sinalização de baixa de juros. Esse “mix” de política é possível em economias mais avançadas, mas o Brasil ainda não teria os fundamentos sólidos o suficiente para adotá-lo.

O nosso déficit em conta corrente é alto, atualmente perto de 3% do Produto Interno Bruto (PIB), mesmo com a economia estagnada; e os desequilíbrios fiscais não estão equacionados, com a persistência de déficits primários e uma tendência de alta da dívida bruta (que só caiu no ano passado devido à venda de reservas).

Preocupa, em especial, a repercussão de um ambiente internacional mais perigoso, que faz cair a ficha mais rápido sobre o lento progresso nas reformas dentro do país. O tempero de tudo isso são os ruídos mais recentes sobre o processo de fritura do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Em 2008, lembra um especialista, o Brasil foi atingido por um choque externo de grande magnitude. Na época, o país tinha o grau de investimento, mas a sua resposta foi prover liquidez ao mercado, em dólares e em reais, e baixar os juros só depois de vencida a batalha das expectativas inflacionárias.

Um especialista diz que o BC escreveu um comunicado contundente sobre o impacto da crise do coronavírus sobre a inflação, assumindo de antemão que o efeito baixista provocado pela desaceleração da economia mundial vai predominar sobre o da alta da cotação do dólar. O risco, afirma ele, é assumir que o repasse cambial vai se comportar de forma linear, reproduzindo o passado mais recente, quando todos os estudos econômicos feitos pelo Banco Central revelam que os coeficientes de repasse mudam com as circunstâncias.

Os impactos na inflação costumam ser mais leves quando o câmbio oscila em bandas mais estreitas, como 5%, mas podem ser muito mais fortes numa depreciação acima de 15%, como a que ocorreu a partir de janeiro. O repasse cambial depende, também, da credibilidade da política monetária, que está sendo colocada à prova pelo comunicado do Banco Central. Caso o BC perca a batalha da credibilidade, o repasse cambial para a inflação também tende a ser maior.

Voltar atrás na comunicação de política cambial também tem seus custos na reputação, mas quando o BC vai na direção certa ela é rapidamente reparada. Depois que adotaram a estratégia de fornecer “forward guidance” para as taxas, vários bancos centrais se viram na posição de ter que voltar atrás.

Na administração Ilan Goldfajn, o Copom desistiu de um corte sinalizado em maio de 2018, depois que a taxa de câmbio subiu fortemente. Na gestão Tombini, o colegiado reviu rapidamente a sinalização de manutenção dos juros por período prolongado quando a inflação saiu do controle. Quando Arminio Fraga era presidente, em 2002, o BC cortou os juros numa reunião e, pouco depois, subiu fortemente num encontro extraordinário, depois que o estímulo foi mal absorvido pelos mercados num período de forte incerteza eleitoral.

No caso atual, afirma um ex-membro do BC, o forward guidance feito pelo Copom é fraco e permite uma saída. Em fevereiro, o colegiado não havia cravado uma interrupção nos cortes de juros, ressaltando a todo o tempo que a sua mensagem estava vinculada à evolução dos dados.

Da mesma forma, agora o Copom fez uma mensagem condicional à evolução do cenário econômico. Disse, é verdade, que os efeitos baixistas na inflação do coronavírus suplantam os altistas. Mas enfatizou - o verbo usado foi esse - que “as próximas duas semanas permitirão uma avaliação mais precisa dos efeitos do surto de coronavírus na trajetória prospectiva de inflação no horizonte relevante de política monetária”.

Alguns especialistas acham que o Copom pode esperar pela reunião para redirecionar a política monetária. Outros, que pode reformular o seu comunicado para tirar a certeza do mercado de que houve um guidance muito firme para a taxa de juros.