Valor Econômico, n. 4954, 06/03/2020. Finanças, p. C2

Com pressão no dólar, mercado coloca em dúvida rumo dos juros

Victor Rezende
Lucas Hirata
Marcelo Osakabe


O aumento expressivo do dólar contra o real aprofundou o sentimento de aversão a risco e se refletiu no mercado de juros, onde as taxas futuras exibiram saltos expressivos. A chance de um corte mais agressivo na Selic já em março, de 0,50 ponto percentual, diminuiu de 30% para 13% e uma parcela dos agentes financeiros já coloca em xeque a credibilidade da política monetária.

“Um corte de juros neste momento seria um erro e o mercado está mostrando isso para o Banco Central”, afirma o economista-chefe da Exploritas, Andrei Spacov. Ele argumenta que autoridades monetárias de mercados emergentes geralmente não cortam os juros e intervêm no câmbio ao mesmo tempo. “Se isso acontece, algo está errado.”

Spacov alerta, assim, que novas reduções no juro básico neste momento podem gerar um “corte contracionista” na Selic, dado o forte movimento de alta da taxa de longo prazo. Sinal de alerta para boa parte do mercado, a diferença entre juros longos e curtos - a chamada inclinação da curva - subiu ontem para 3 pontos percentuais, no maior nível desde setembro de 2018. A conta considera a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2021 e a de 2029.

Para Dan Kawa, sócio da TAG Investimentos, “o BC se colocou em uma situação complicada”. Ele defende que o juro deva ser mantido inalterado em 4,25% e diz ter dúvidas sobre se novos cortes na Selic teriam um efeito muito maior na economia. “Temos alguns dias até a reunião. O cenário está muito fluido e há muita volatilidade. Além disso, o dólar acima de R$ 4,60 está em um nível que começa a incomodar dada a velocidade da depreciação.”

Na B3, a taxa do DI para janeiro de 2021 subiu a 3,91%, após ter fechado o dia anterior em 3,76%. Já a taxa do DI para janeiro de 2023 passou de 4,22% para 4,44%.

Diante da disparada do dólar e das taxas de juros de longo prazo, o estrategista-chefe da CA Indosuez, Vladimir Caramaschi, avalia que o BC perdeu margem de manobra na condução da política monetária. Para ele, o BC deveria “ir com calma” e, talvez, efetuar um corte de apenas 0,25 ponto neste mês, na esteira da sinalização desta semana.

“Está muito duvidosa essa sinalização de que o BC pode levar o juro para onde quiser”, afirma Caramaschi. Ele nota, ainda, que é “muito difícil” acreditar que taxas de juros ainda mais baixas irão reverter o cenário de desaceleração econômica no Brasil e no mundo diante dos efeitos do novo coronavírus. “A verdade é que estamos lidando com um fato novo e o nosso juro não pode descolar tanto assim. O risco Brasil está começando a abrir e o desconforto está no ar.”

Apesar do cenário conturbado, alguns agentes continuam a esperar uma redução expressiva na Selic. Mesmo com o salto do dólar ontem, os analistas da Claritas esperam que a Selic caía dos atuais 4,25% para 3,75% ainda este ano. Já Adauto Lima, economista-chefe da Western Asset, vê corte de 0,50 ponto percentual em março, com possibilidade de movimento adicional de 0,25 em maio. Ele nota que “o repasse cambial é bastante pequeno” diante da ociosidade na economia. “Vemos que todos os BCs estão cortando. Se somarmos o fato de que as expectativas de inflação não estão subindo e que as projeções de atividade estão caindo, existe espaço para procedermos de forma similar. ”