Valor Econômico, n. 4953, 05/03/2020. Finanças, p. C2

Expectativa de corte mais forte da Selic ganha força

Victor Rezende
Lucas Hirata
Marcelo Osakabe


No momento em que o mercado já começa a projetar uma redução de 0,50 ponto percentual na Selic neste mês, a efetividade de reduções adicionais na taxa básica de juros volta ao radar dos agentes financeiros. A maioria espera que novos cortes no juro básico deem mais suporte à economia diante de riscos derivados do coronavírus, mas parte dos analistas desconfia da efetividade de novas medidas de afrouxamento neste momento.

Sócio-fundador da Macro Capital, Nilson Teixeira avalia que, diante da mudança de cenário global, o Banco Central deveria, na reunião de março do Comitê de Política Monetária (Copom) “antecipar o orçamento de cortes que tem na cabeça” e entregar uma redução de 0,50 ponto percentual ou até mesmo de 0,75 ponto na Selic. “O Federal Reserve (Fed) viu essa necessidade de cortar o juro já agora. Acredito que seja melhor antecipar essa munição. ”

Para Teixeira, é necessário colocar sobre a mesa um corte de juros “o mais rápido possível” para que o aumento da incerteza seja revertido. Ele avalia que os impactos do novo coronavírus na economia global representam um choque “significativo e importante”, já que tende a reverberar em economias importantes para o Brasil, como a chinesa e a americana.

Depois que a autoridade monetária brasileira divulgou, na noite de terça-feira, um comunicado em que disse monitorar os impactos do novo coronavírus na economia, diversas instituições financeiras alteraram suas projeções para a Selic no fim deste ano. Citi, J.P. Morgan, XP Investimentos e Bank of America (BofA) são alguns exemplos.

“O crescimento doméstico foi mais fraco do que o previsto, enquanto a inflação permanece benigna, e agora temos ventos contrários vindos da desaceleração da economia global”, escreve David Beker, chefe de economia e estratégia do BofA para Brasil, que vê corte de 0,50 ponto da Selic em março e outro movimento de 0,25 ponto, para 3,50%, até o fim do ano.

Nos cálculos da Quantitas, o mercado embute agora nos preços um corte de 0,32 ponto percentual nas taxas futuras de juros, o que indicaria 70% de possibilidade de a Selic ser levada dos atuais 4,25% para 3,75% anuais em duas semanas.

Para a economista-chefe da Canvas, Camila Faria Lima, o BC deve manter a porta aberta e mostrar prontidão para agir depois de um corte de 0,25 ponto em março. Ela não descarta uma redução ainda maior da taxa e acredita que o corte de juros ajuda a enfrentar os riscos econômicos em torno da proliferação da doença, “mas de fato pode não ser suficiente para evitar a desaceleração causada pelos eventos externos”. Sendo assim, outros instrumentos, como a redução de compulsórios bancários, por exemplo, podem ser usados.

“O que realmente não faz sentido, e onde não temos espaço, é na questão fiscal. O melhor nessa área é manter toda a disciplina para manter os prêmios de risco bem comportados”, acrescenta a economista.

André Loes, sócio e economista da Kairós Capital, aponta justamente para o corte no compulsório sobre depósitos a prazo de fevereiro para justificar sua avaliação de que a autoridade monetária brasileira deve cortar os juros em apenas 0,25 ponto na reunião do Copom deste mês e, depois, observar os dados.

“O BC deve levar em consideração também a redução do compulsório, que tem potencial de liberar muito dinheiro para os bancos concederem crédito, até R$ 135 bilhões”, diz Loes. Para ele, a autoridade monetária deve reduzir o juro a 4% e, depois, empregar alguma cautela na comunicação para ver se é necessário cortar mais os juros.

A Selic a 4% também está no cenário base de José Marcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos. Ele, contudo, avalia que seria “mais seguro” que reduções no juro ocorressem somente no segundo semestre, quando os cortes realizados anteriormente já teriam tido efeito na economia. “Não acho que o corte de juros vai ajudar, porque a questão do coronavírus é um choque de oferta, e não de demanda. Por essa razão, minha avaliação é que o BC não deveria reduzir juros agora”, afirma.

Camargo nota, ainda, que uma redução do juro básico neste momento “poderá gerar mais incerteza”, pressionar o câmbio e aumentar a diferença entre os juros de mercado de curto e de longo prazo - algo que, para muitos analistas, diminui o efeito do afrouxamento monetário na economia. Ontem, a distância entre as taxas do DI para janeiro de 2029 e do DI para janeiro de 2021 subiu para 2,99 pontos, o maior nível desde setembro de 2018, período pré-eleitoral.