Valor Econômico, n. 4953, 05/03/2020. Internacional, p. A19

UE deve relaxar meta fiscal e vê Itália e França em recessão

Viktoria Dendrinou
Craig Stirling


A epidemia de coronavírus ameaça mergulhar tanto França quanto Itália num quadro de recessão, e os abalos secundários de uma prolongada epidemia poderão estimular a formação de uma espiral “viciosa” de queda dos mercados, de acordo com advertência dirigida aos ministros das Finanças europeus.

“Uma epidemia mais prolongada e mais generalizada poderá ter um impacto desproporcionalmente negativo por meio da incerteza e de canais dos mercados financeiros”, segundo memorando da Comissão Europeia sobre o impacto econômico do coronavírus, ao qual a Bloomberg teve acesso. “Efeitos em cascata poderão ser causados por episódios de escassez de liquidez em empresas que terão de suspender a produção, sendo amplificados e propagados pelos mercados financeiros."

O líder do grupo de ministros das Finanças da zona do euro (Eurogrupo), Mário Centeno, afirmou ontem que o bloco está pronto para relaxar as suas regras fiscais para combater o impacto econômico da epidemia. Após teleconferência entre ministros das Finanças da UE, incluindo alguns de fora da zona do euro, Centeno disse que as regras fiscais do bloco permitem "flexibilidade para atender a eventos incomuns, fora do controle”.

A teleconferência teve como base o memorando sobre os riscos às economias da região. Os ministros falaram um dia depois de o G-7 ter se aproximado muito de definir uma ação coordenada para apoiar as economias e de o Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA) ter promovido um corte surpresa de 50 pontos-base nas taxas de juros.

“Vamos coordenar as reações e nos preparar para empregar todas as ferramentas adequadas de política pública para obter crescimento sólido, sustentável e para nos salvaguardarmos contra novos riscos de agravamento do quadro”, disse Centeno.

Os termos usados por Centeno provavelmente exigiram negociações entre os ministros, que não estão todos de acordo em torno da mobilização de incentivos orçamentários. A Alemanha, dona do maior poder de fogo fiscal da região, após anos sucessivos de superávits, mostra-se relutante em assumir mais dívidas.

O memorando da Comissão aos ministros das Finanças descreve um cenário preocupante a ser considerado pelos governos da União Europeia num momento em que se agravam os episódios de suspensão da produção decorrentes da epidemia, crescem as restrições às viagens e a Itália anuncia o fechamento de suas escolas por duas semanas.

“Os empréstimos não quitados, principalmente de empresas alavancadas que operam com fluxo de caixa apertado, poderão aumentar, principalmente se [esse quadro] persistir por mais de três meses”, diz o documento. “Uma queda geral do valor dos ativos nas demonstrações de resultados dos bancos poderá desencadear um círculo vicioso entre bancos soberanos. Entre outros prováveis efeitos indiretos está o impacto da correção da bolsa de valores sobre o patrimônio e o consumo”.

Imaginar um resultado desse tipo pode trazer à tona reminiscências dolorosas para as autoridades financeiras da zona do euro, que enfrentaram uma crise da dívida soberana que debilitou os bancos e ameaçou a integridade da moeda única europeia.

A França e a Itália poderão sofrer uma recessão técnica, isto é, dois trimestres consecutivos de contração da economia, já neste primeiro trimestre, após ambos os países terem tido contração do PIB no fim do ano passado, advertiu o documento da comissão.

Transportes, viagens e turismo são as áreas mais afetadas da economia da região. Negócios no atacado e no varejo, serviços de cultura e entretenimento e o setor imobiliário também foram abalados. “Os fatos sugerem que a expectativa de uma recuperação em V após o primeiro trimestre e da limitação dos contágios fora da China podem ter de ser revistos”, adverte a UE. (Com o Financial Times)