Valor Econômico, n.
4952, 04/03/2020. Especial, p. A16
Discutir agora agenda
econômica e tributária foi estratégia, diz ministro
Fernando Exman
Isadora Peron
Luísa Martins
Discutir agora agenda econômica e tributária foi estratégia, diz ministro
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, definiu
a agenda econômica e tributária como a prioridade da corte para os próximos
meses. Em entrevista exclusiva ao Valor, Toffoli disse que sua decisão foi
estratégica: optou por deixar esse tema para um momento em que o governo já
estivesse a par dos seus desafios e, assim, não fosse surpreendido pelos
chamados “esqueletos” do acervo do tribunal.
O impacto é relevante:
se concluídos pelo plenário do STF, os julgamentos pautados podem destravar
mais de 34 mil processos paralisados nas instâncias inferiores. Somados, eles
teriam um impacto de aproximadamente R$ 577,3 bilhões nas contas da União, em
uma estimativa para cinco anos. O plano do presidente do STF é acabar
com os impasses relativos, por exemplo, à tabela do frete e aos royalties
do petróleo. E avançar nas pautas trabalhista e previdenciária.
Toffoli recebeu o Valor
no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do qual também está à frente, para
tratar especificamente dessa agenda. Ele deixará a presidência do Supremo e do
CNJ em setembro, mas antes pretende fazer com que a corte chegue a decisões
definitivas em processos que têm gerado insegurança jurídica a
empresários, trabalhadores e investidores.
“A ideia é dar uma
pacificação, previsibilidade, segurança jurídica. E também mostrar que, se tem
todo esse tema tributário e econômico, é por causa da extensão da
Constituição”, afirmou Dias Toffoli. “Essa alta judicialização é efeito da alta
constitucionalização que nós temos de todos os temas. ”
Ele também observou que
a indefinição jurídica sobre temas econômicos de interesse da União gera um
provisionamento de valores trilionários no Orçamento - “dinheiro parado, preso,
que, no fim, só beneficia os bancos”, afirmou.
Toffoli contou que desde
que assumiu o cargo, em setembro de 2018, tinha em mente criar uma agenda de
temas econômicos, particularmente tributários e trabalhistas. No entanto,
revelou, preferiu esperar que o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe se
inteirassem da pauta econômica. “O governo estava no início. Colocar temas que
podem impactar R$ 30 bilhões no meio da votação da reforma da Previdência.
Achei por bem deixar para este ano, para não criar marola”, sublinhou ele.
Seu plano já está em
curso. Logo no início do ano judiciário, o Supremo deu sua primeira decisão
colegiada de impacto econômico. Liberou as receitas decorrentes de exportações
intermediadas por “trading companies” do pagamento de contribuições sociais e
de intervenção no domínio econômico (Cide). A medida afetou o setor do
agronegócio, principalmente pequenos e médios produtores rurais,
aumentando a competitividade de seus produtos no mercado externo.
Essa agenda vai
prosseguir pelo menos até junho. E um dos casos mais esperados do ano está
previsto para 1º de abril, quando os ministros julgarão um recurso da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) contra a decisão de que o ICMS
não pode ser incluído na base de cálculo do PIS/Cofins. Será o momento em que o
plenário vai sanar ao menos duas dúvidas: se a decisão tomada em 2017 só
vale para casos futuros ou se precisa retroagir; e se o valor do imposto a ser
excluído é aquele destacado na nota fiscal ou o efetivamente pago pelo
contribuinte.
“Na maior parte das
vezes, os tribunais locais não aplicam a decisão até que se julguem os
embargos. Então é importante dar um encerramento a esse caso”, explicou
Toffoli, que prevê um placar apertado. A conclusão dos ministros pode ter
impacto fiscal de até R$ 229 bilhões em cinco anos e destravar mais de 9 mil
processos.
Agendada para o dia 18
de março, a bitributação do comércio de softwares, que pode aumentar em 360% a
carga de impostos sobre esses bens, é outra ação desafiadora para o
Supremo. Em meio a críticas sobre a demora em determinados julgamentos, o
plenário decidirá sobre um assunto que envolve um mercado extremamente dinâmico
- o da economia digital.
“Há críticas que a gente
considera incorretas, mas algumas são corretas.
Uma questão julgada pelo
Superior Tribunal de Justiça que, depois, leva cinco anos para ser votada no
Supremo, e ainda para mudar [a decisão]... Isso causa um problema na economia”,
ponderou o presidente do Supremo.
Toffoli citou ainda que
diversas controvérsias pautadas para os primeiros meses de 2020 podem
acabar nem chegando à análise da corte, se derem certo as tentativas de
resolução mediante acordo entre as partes. É o caso dos novos critérios para a
distribuição dos royalties do petróleo, suspensos desde 2013 por liminar da
ministra Cármen Lúcia e pautados para 29 de abril. Outros exemplos são a
divisão per capita do salário-educação e o tabelamento do frete, esses ainda
sem data definida para julgamento.
“Se você não tentar uma
conciliação, qualquer decisão é muito boa para um lado e muito ruim para o
outro”, destacou o presidente do Supremo. “Se chegar a um acordo, melhor.
Se não houver, vamos ter de julgar. ”
Especificamente em
relação ao frete, o presidente do STF vê o acordo como a opção mais razoável
dentro de um contexto que considera "delicado". Concebido como
uma saída emergencial para conter a greve dos caminhoneiros no governo de
Michel Temer, o tabelamento traz consigo o que o ministro chama de “traumas do
passado”: a imposição de valores altos a serem custeados pelo Estado.
“Até hoje se arca com o
tabelamento do preço do açúcar. Há uma série de ações em que foi definido
que o Estado tem que indenizar. A ação das companhias aéreas contra o
tabelamento do valor de passagens, por exemplo”, citou Toffoli. “São esqueletos
que estão em precatórios, em fase de pagamento, que já foram decididos. Mas
isso tudo mostra que a questão do tabelamento gera uma intervenção do Estado na
economia.
O custo acaba sendo
suportado pelo Estado, impactando a liberdade econômica”, destacou Toffoli.
A pauta do STF também
vai atingir a economia dos Estados e dos municípios. Em 16 de abril, o STF vai
julgar se é constitucional que a União os inscreva em cadastros de
inadimplência, o que impede repasses federais e, consequentemente,
paralisa a execução de uma série de políticas públicas. A decisão deve pôr fim
a um impasse observado por diversos governos estaduais e municipais, que só têm
conseguido operar seus orçamentos graças a decisões liminares proferidas pela
própria presidência da corte.
Na avaliação de Toffoli,
como o Ministério da Economia ainda não conseguiu uma solução satisfatória para
esses casos, essa ainda é a única medida capaz de preservar a prestação de
serviços básicos à população, como educação e saúde.
“Desde a transição, em
novembro de 2018, quando eu tive a primeira conversa com o [ministro da
Economia] Paulo Guedes, ele fala em pacto federativo. Mas, até agora, não
apareceu nada concreto. Então isso [a concessão de liminares] acaba acontecendo
porque não há uma resolução mais geral de todo esse quadro, de repactuação do
pacto federativo”, explicou.
Até junho, também estão
na pauta questões trabalhistas - jornada de trabalho intermitente,
responsabilidade do empregador por acidente de trabalho, prevalência de acordos
coletivos sobre a legislação, cálculo do dano moral e uso da Taxa Referencial
para correção de FGTS. Está prevista ainda a conclusão de um julgamento sobre a
Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em que já há maioria formada para
proibir Estados e municípios em crise de reduzirem os salários de servidores
públicos.
Há outros processos de
interesse econômico que ainda não estão agendados, mas, de acordo com o
ministro, devem entrar no calendário neste ano do STF: reforma da
Previdência, benefícios fiscais nas operações com agrotóxicos, imunidade
tributária a empresas optantes do Simples e isenção do Imposto de Renda para
trabalhadores ativos portadores de doença grave.
Empatada em 4 a 4, a
ação que julga a legalidade de um decreto envolvendo a Petrobras só deve
ter seu desfecho depois do retorno do ministro Celso de Mello, em licença
médica até 19 de março. O decreto em questão estabeleceu processo especial de
cessão de direitos de exploração de petróleo, fora do procedimento previsto na
Lei de Licitações.
De acordo com Toffoli,
outro tema que eventualmente chegará ao plenário diz respeito a uma suposta
manobra para burlar a decisão do STF que dispensou aval do Congresso para a
privatização de subsidiárias de estatais. A Corte tem sido provocada a se
manifestar sobre isso em uma série de reclamações, de relatoria do ministro
Ricardo Lewandowski.
As petições narram o
fatiamento proposital de empresas-mãe para que a alienação se torne possível.
“O conceito já foi definido. A questão é se está havendo um fatiamento indevido
para criar falsas subsidiárias”, disse o presidente.
Toffoli preferiu não se
posicionar sobre temas relativos ao Judiciário em discussão no Congresso
Nacional, como a Proposta de Emenda Constitucional que institui a possibilidade
de execução de pena após condenação em segundo grau. Questionado a dar sua
opinião sobre a extensão desse entendimento a crimes tributários, o ministro
disse: “Isso é competência do Congresso e eu procuro evitar de ficar
comentando”.
Em relação à reforma
tributária, o presidente do STF afirmou que não tem havido interlocução com o
Congresso para tratar dessa pauta. “A minha filosofia aqui é que a gente
enfrente estes temas. Até para balizar eventualmente entendimentos do
Congresso”, disse Toffoli.
Ele também vê como
atribuição exclusiva do Legislativo a regulamentação sobre a tributação de
grandes fortunas. Há uma ação no STF, ainda em fase inicial de tramitação, que
pede à corte uma declaração de omissão do Congresso ao regulamentar o tema.
“Não se pode criar tributo por decisão judicial. Isso é ativismo”, declarou.