Valor Econômico, v. 20, n. 4952, 04/03/2020. Política, p. A11
A nova realidade do Orçamento e o lobby
Fernando Exman
O desfecho do impasse entre o Congresso e o governo em relação à manutenção do
veto presidencial que trata da extensão do Orçamento Impositivo às emendas de
relator não muda a realidade: o Legislativo passou a ter um poder enorme na
definição do destino dos recursos públicos. Autoridades do Palácio do Planalto
podem até ter demorado a notar que o Executivo estava deixando de ser o centro
de gravidade da gestão orçamentária, dando cada vez mais espaço para o
Parlamento ocupar essa posição. Os lobistas, contudo, há meses se adaptaram e
transformaram o Congresso em habitat prioritário. É nesse contexto que cresce a
importância da aprovação de um marco regulatório do lobby.
O Brasil chega tarde. Apesar de ter apoio de deputados e
senadores de diversos partidos - tanto à esquerda, como ao centro e à direita
-, as discussões sobre o tema ocorrem muito lentamente no Congresso. Não é de
se surpreender que ele tenha se tornado um tabu, depois de o Brasil enfrentar
sucessivos escândalos de corrupção. Nos autos da Operação Lava-Jato, por
exemplo, não faltam histórias escabrosas sobre o relacionamento indevido entre
empresas e homens públicos. Mas elas não deveriam servir de justificativa para
travar ainda mais a tramitação dessa agenda no Congresso.
Não é a ausência de regulação que faz com que a prática do lobby
deixe de acontecer. Pelo contrário: ele acabará ocorrendo de qualquer forma,
com ou sem regras.
Nos últimos meses, o assunto novamente entrou em evidência e a
expectativa é que um projeto de lei já em estágio avançado de tramitação ganhe
novo impulso. Apresentado em 2007 pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP), a
relatoria foi da ex-deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) e pode passar por
algumas mudanças de redação feitas pelas mãos do líder da maioria na Câmara, Aguinaldo
Ribeiro (PP-PB).
O deputado também é relator da reforma tributária e deve ser
recebido na semana que vem pela Associação Brasileira de Relações
Institucionais e Governamentais (Abrig).
Assunto para a prosa não faltará. Diante da morosidade do
Congresso em regulamentar a atuação dos profissionais do segmento, a Abrig
decidiu discutir alternativas. Uma delas é uma proposta de autorregulação que
está sendo preparada em conjunto com a Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT).
O texto não está pronto e tampouco terá a força de uma lei. No
entanto, pelo menos poderá ajudar a diferenciar quem quer trabalhar com o lobby
de modo transparente dos que preferem atuar nas sombras.
Em 2018, o extinto Ministério do Trabalho reconheceu o lobby
como uma ocupação. Mesmo assim, nada de se ter definição de regras sobre a
identificação dos profissionais, como eles devem se movimentar pelos corredores
e gabinetes de autoridades ou até mesmo apresentar suas propostas legislativas.
Os registros das agendas de autoridades de todos os Poderes também deveriam
conter os nomes dos participantes, o tempo de duração de audiências e os
tópicos discutidos.
Seria positivo, por exemplo, saber quem circula em Brasília
representando esta ou aquela empresa, associação setorial ou entidade de
classe. Isso sem falar na autoria de emendas ou minutas de projetos de lei. Se
no Congresso Nacional existe dificuldade para o credenciamento desses
profissionais, deve-se refletir o quão obscuro pode ser esse procedimento em assembleias
legislativas e câmaras de vereadores.
Mesmo assim, a cúpula da Abrig acredita na construção de um
ambiente favorável à aprovação do projeto de lei que tramita na Câmara dos
Deputados. Além de um novo impulso das principais lideranças políticas, a
iniciativa pode receber um incentivo externo. Isso porque a regulamentação do
lobby é alvo de tentativa de padronização na Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Sonho de consumo do governo Jair Bolsonaro, a entrada do Brasil
na organização pode acabar passando pela discussão dessa agenda. Em seus
documentos e relatórios, a OCDE explicita o objetivo de garantir que a
atividade de lobby seja exercida com transparência e retidão.
Uma das preocupações da organização é que os países assegurem
acesso igualitário para a atuação dos diversos atores interessados na
construção de propostas legislativas ou políticas públicas. Outro aspecto
levantado é a necessidade de se oferecer um grau adequado de transparência,
para que autoridades, cidadãos e empresas possam obter informações suficientes
sobre as atividades de lobby em andamento. A implementação de tais regras
precisa contar com a adesão dos lobistas, os quais devem cumprir padrões de
profissionalismo e transparência. Para a OCDE, os países devem revisar
periodicamente o arranjo legal que regula o setor.
Essa última recomendação demonstra como o Brasil está numa etapa
anterior desse processo. Esse cenário, contudo, pode mudar.
O projeto de lei que regulamenta o lobby está pronto para ser
votado. É um dos temas que pode ser incluído em pauta a qualquer momento pelo
presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Na mensagem que enviou ao Congresso em fevereiro, o presidente
Jair Bolsonaro também elenca a regulamentação do lobby como uma das prioridades
do Executivo. “Algumas proposições legislativas poderão conduzir para o
estabelecimento de um cenário mais positivo na atuação da Controladoria-Geral
da União (CGU), considerando a evolução nas discussões relativas às normas
gerais de licitação e o disciplinamento da atividade de ‘lobby’, por exemplo”,
destaca o texto presidencial.
Esse é um aprimoramento essencial para dar mais robustez à
democracia brasileira. Por outro lado, há que se evitar a construção de um
arcabouço que acabe afastando desse processo grupos menos influentes e
poderosos.
Fernando Exman é chefe da redação, em Brasília. Escreve às
quartas-feiras
E-mail: fernando.exman@valor.com.br