O Globo, n. 32652, 30/12/2022. Brasil, p. 10

Foco na Amazônia

Rafael Garcia
Bruno Abbud
Eduardo Gonçalves
Karolini Bandeira



Quatorze anos após sua primeira gestão e de um período de relação conflituosa entre ambientalistas e o governo Bolsonaro, Marina Silva está de volta ao Ministério do Meio Ambiente. Além do peso do nome, a percepção do setor é de um cenário favorável porque a deputada eleita pela Rede terá respaldo internacional e mais tecnologia para encarar os muitos desafios ambientais do país. Ao mesmo tempo, enfrentará obstáculos como desmonte da pasta e criminosos mais bem armados, ligados ao garimpo e a madeireiros.

— Iremos fortalecer a fiscalização — disse Marina, logo após o anúncio de seu nome no ministério, e acrescentou que os primeiros decretos vão retomar o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal e o Fundo Amazônia, desativado na gestão anterior.

Marina é respeitada por ONGs e ativistas por ter sido a ministra que criou a maior área de unidades de conservação (mais de 23 milhões de hectares terrestres) e que derrubou a taxa de desmatamento em 54% nos seis anos da sua gestão, entre 2002 e 2008.

A derrubada da Floresta Amazônica chega a 2023 com uma taxa acima dos 11 mil km². É menos que os 27 mil km² de 2003, quando Marina assumiu a pasta pela primeira vez. A devastação está em alta, tendo subido 53% de 2018 a 2022. Um forte lobby do agronegócio no Congresso Nacional, com apoio do poder Executivo, freou avanços no setor: na gestão Bolsonaro não se criou nem um metro quadrado de unidade de conservação.

Para ambientalistas, ainda é cedo para prever se Marina conseguirá repetir o feito das gestões anteriores. O principal problema atual, apontam,é a falta de pessoal qualificado no Ibama, no ICMBio e em outros órgãos essenciais.

— A situação herdada hoje é muito pior do que a de 2003 em termos de desmonte, de esvaziamento orçamentário, escassez de pessoal e desvalorização dos servidores — afirma a pesquisadora Adriana Ramos, especialista em políticas públicas do Instituto Socioambiental, acrescentando que a proliferação de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores de armas) também colocou um "arsenal" dentro da Amazônia enas mãos do garimpo ilegal.

O desenho da pasta, que passará a se chamar Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática, mudou. Ficará sob seu chapéu as novas secretarias Extraordinária de Combate ao Desmatamento e de Bioeconomia e Recursos Genéticos. A aguardada Secretaria de Autoridade Climática será jogada para frente. "O compromisso do presidente é de que agora não haveria acréscimo de cargos, por isso ficará para depois", explicou Marina.

A indicação dela ao cargo foi destravada após a senadora Simone Tebet, que também tinha sigo cotada, aceitar a pasta do Planejamento na última terça-feira. Sem a emedebista no páreo, a ex-senadora pelo Acre confirmou o favoritismo e superou resistências dentro do PT, com o respaldo de Fernando Haddad e do vice-presidente, Geraldo Alckmin.

— A Marina é um nome que ganhou muito apoio por ter conseguido reduzir os altos índices de desmatamento que o Brasil tinha na época em que ela foi ministra — afirma o deputado Nilton Tatto (PT-SP), que elaborou o programa ambiental de Lula.

Ao pisar no ministério, Marina deverá ter como forte aliada, a tecnologia, sobretudo o monitoramento por satélite. Hoje o sistema Deter do Inpe(Instit -uto Nacional de Pesquisas Espaciais) permite que se acompanhe, em tempo real, o desmatamento tanto na Amazônia quanto no Cerrado. Além disso, há em curso projetos independentes de observação da Terra.

Isso aumenta a expectativa de que se possa automatizar boa parte do trabalho de fiscalização. Em 2017, o Ibama conduziu um programa inicial de multas a distância, batizado de Operação Controle Remoto, que foi desmobilizado depois.

— Dependendo do caso, a autuação pode ser enviada pelo correio, que chega com uma foto do desmatamento como uma multa de trânsito — diz Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.

Ferramenta essencial para concretizar esse avanço tecnológico, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que começou a ser implementado em 2012, segue a passos lentos e foi transferido para o Ministério da Agricultura.

O entendimento geral é de que a alta do desmatamento nos últimos anos esteja relacionada a uma queda nas autuações, o que exigirá mais efetivo policial e, sobretudo, mais recursos de inteligência. Além disso, Araújo observa que Marina vai se deparar com uma enxurrada de projetos de lei no Congresso, que promoveram retrocessos nas políticas de conservação:

— Antes os ambientalistas tinham chance de negociar e minorar problemas como aconteceu com a Lei Florestal de 2012. Isso está ficando cada vez mais raro. Os ruralistas sempre foram fortes, mas há 20 anos as relações políticas não estavam tão polarizadas.

Nascida em Seringal

Com 64 anos, Marina Silva nasceu num seringal perto de Rio Branco e se formou historiadora pela Universidade Federal do Acre. Antes de entrar para a política, viveu em um convento por dois anos, onde aprendeu a ler e escrever, e foi professora da rede estadual. Ela se envolveu em movimentos sindicais e foi vereadora em Rio Branco e deputada estadual no Acre. Em 1994, se elegeu senadora, aos 36 anos, no que seria o primeiro de dois mandatos. O último se encerrou em 2010.

Amiga de Chico Mendes, seringueiro e ativista morto em Xapuri (Acre), em dezembro de 1988, Marina fundou, aos 26 anos, na companhia dele, a Central Única dos Trabalhadores no estado. Filiada ao PT, ela deixou o cargo de ministra em 2008, com fortes críticas à política ambiental do governo Dilma Rousseff. Em2014, jáfiliada ao PSB, foi vice na chapa do candidato do partido à Presidência, Eduardo Campos. Após a morte dele um trágico acidente aéreo, foi escolhida para preencher a vaga, mas terminou o pleito em terceiro lugar. Em 2015, fundou a Rede Sustentabilidade. Durante o processo de impeachment de Dilma, declarou-se favorável à cassação da chapa do PT. E seguindo caminho próprio foi derrotada como candidata à Presidência em 2018. A reaproximação com o PT se deu este ano, quando ela apoiou candidatura de Haddad ao governo de São Paulo. Procurado, a atual gestão do Ministério do Meio Ambiente disse que obteve avanços com o marco do saneamento e do tratamento de resíduos sólidos, a aceleração das usinas eólicas offshore e o hidrogênio verde, além de ter criado o certificado de crédito de reciclagem.

"A Marina é um nome que ganhou muito apoio por ter conseguido reduzir os altos índices de desmatamento que o Brasil tinha na época em que ela foi ministra" 

- Nilto Tatto (PT-SP), deputado que elaborou o programa ambiental de Lula na campanha