Valor Econômico, n. 4951, 03/03/2020. Finanças, p. C1

Mercados reagem com expectativa de ação conjunta de BCs
Gabriel Roca
Marcelle Gutierrez
André Mizutani
Ana Carolina Neira


Após uma das piores semanas da história no mercado financeiro global, os ânimos dos investidores começaram a mudar ontem. A expectativa de que os principais bancos centrais irão atuar de forma conjunta para amenizar os efeitos do coronavírus sobre a economia mundial fez com que as bolsas - especialmente nos Estados Unidos - iniciassem um processo de recuperação das perdas recentes.

Wall Street acelerou os ganhos mais perto do fim do pregão. O resultado foi de expressiva alta para os principais índices: o Dow Jones encerrou o dia com valorização de 5,09%, aos 26.703,32 pontos (maior variação positiva desde março de 2009); o S&P 500 avançou 4,60%, para 3.090,23 pontos; e o índice eletrônico Nasdaq terminou a sessão com ganhos d 4,49%, aos 8.952,16 pontos. O índice VIX, que mede a volatilidade do S&P 500 e é conhecido como o “termômetro do medo de Wall Street”, recuou 16,68% ontem, a 33,42 pontos.

A bolsa brasileira acompanhou a melhora de clima no exterior. O Ibovespa fechou em alta de 2,36%, aos 106.625 pontos.

Após o presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, ter aberto a porta para novas reduções nos juros na última sexta-feira, outras autoridades monetárias indicaram ontem que uma nova rodada de flexibilização global está a caminho. No mercado futuro nos EUA, a probabilidade implícita de um corte de juros de 0,50 ponto percentual na próxima reunião do Fed, que acontece neste mês, chegou a 100% ontem.

Ontem o presidente do banco central do Japão (BoJ), Haruhiko Kuroda, afirmou que a instituição tomará medidas para estabilizar os mercados e aumentar a liquidez por meio de operações de empréstimos de curto prazo e pela compra de ativos. Assim, o Nikkei, índice de referência da Bolsa de Tóquio, que chegou a cair mais de 1% após a abertura, recuperou-se e fechou o pregão em alta de 0,95%.

O anúncio foi seguido pela declaração do vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE), Luis de Guindos, que alertou que a disseminação do vírus poderia prejudicar as exportações da zona do euro para a China, um importante mercado externo, ao mesmo tempo em que atrapalhava as cadeias de suprimentos das empresas e restringia a demanda por serviços na Europa.

A perspectiva de novos estímulos monetários sustentava as bolsas europeias até que a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) anunciou uma revisão para baixo de sua previsão para o crescimento global. A instituição afirmou que a economia global crescerá 2,4% em seu “melhor cenário”, em uma alteração negativa em comparação com a expansão de 2,9% projetada antes da epidemia do Covid-19.

O fato limitou a recuperação das ações europeias, que fecharam o dia sem direção única. O Stoxx Europe 600 oscilou e encerrou o dia em leve alta de 0,09%. O FTSE 100, da Bolsa de Londres, terminou com o melhor desempenho entre os principais índices, com alta de 1,13%, e o DAX, de Frankfurt, recuou 0,27%.

Por outro lado, a OCDE reforçou os pedidos para que os governos ajam com força e rapidez para tentar impulsionar a economia mundial.

No fim do dia, foi a vez da presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, se manifestar. A executiva disse que a instituição “está preparada para tomar medidas apropriadas e precisas, conforme necessário e de acordo com os riscos subjacentes”. O governo francês disse que os ministros de Finanças e banqueiros centrais do G-7 farão uma reunião à distância, o mais rápido possível, ainda nesta semana, para coordenar a resposta do bloco.

“É a perspectiva de flexibilização fiscal e monetária que deu força aos mercados. Há disposição do Fed e de outros bancos centrais do mundo em baixar as taxas. No lado fiscal, isso depende dos governos, mas isso também pode ser feito”, disse Randy Frederick, vice-presidente de operações e derivativos do Schwab Center for Financial Research, ao MarketWatch.

“Se os BCs intervierem, isso é ótimo e eu aprecio, mas resolverá o problema? Se as empresas precisam fechar por causa do vírus, não importa realmente quanta liquidez você coloca no sistema”, diz Andrea Carzana, gerente de fundos de ações da Columbia Threadneedle Investments à Dow Jones Newswires.

Os preços do petróleo e do ouro - ativos que sofreram forte depreciação na semana anterior -, também devolveram parte das perdas ocorridas durante o pânico provocado pela epidemia de coronavírus nos mercados. O contrato do petróleo Brent para maio fechou em alta de 4,48%, a US$ 51,90 por barril na ICE, em Londres, enquanto o do WTI para abril subiu 4,44%, a US$ 46,75 por barril na Bolsa de Mercadorias de Nova York.

Os preços do ouro - que tiveram um tombo inesperado na semana anterior, com investidores liquidando posições no metal para cobrir perdas nas ações - fecharam em alta. Na divisão Comex da Nymex, os contratos futuros para abril, subiram 1,79%, negociados a US$ 1.594,80 a onça-troy.

“O primeiro instinto das pessoas é pedir ajuda para o Fed. Eles provavelmente irão agir. Mas o que estou procurando é uma coordenação maior dos bancos centrais. Se virmos isso, as ações podem

Na bolsa brasileira, o clima de otimismo vindo do exterior e a alta do preço das commodities levaram o Ibovespa a fechar no azul. O volume financeiro totalizou R$ 24,7 bilhões, acima da média diária de 2020, de R$ 18,2 bilhões, mas abaixo dos pregões da semana passada, que ficou em R$ 28,3 bilhões. O maior giro do dia ficou com Vale ON, de R$ 2,23 bilhões. Os papéis subiram 4,63%, na esteira da retomada dos preços do minério de ferro, de 5,9% no porto de Qingdao, a US$ 88,93 a tonelada.

Henrique Esteter, analista da Guide Investimentos, diz que o movimento geral do Ibovespa foi de recuperação com a expectativa de atuação dos BCs. No caso específico da Vale, ele lembra que o papel ficou muito descontado com as fortes perdas da semana passada.

Outros papéis de peso no índice que sofreram com o coronavírus foram os da Petrobras. Ontem, a ON subiu 3,50% e a PN teve alta de 4,70%, ante perdas de 11,99% e 13,04% na semana passada, respectivamente.