Valor Econômico, n.
4952, 04/03/2020. Brasil, p. A4
Peso da tarifa de
energia elétrica chega ao Congresso
Rodrigo Polito
Letícia Fucuchima
Abraçada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) nos últimos anos, a
agenda de desoneração tarifária depende agora do Congresso. Depois de medidas infralegais
adotadas pela autarquia, o tema demandará atenção especial dos
parlamentares, tanto no sentido de aprovar projetos que eliminem ou reduzam
subsídios como evitar medidas que ampliem os “penduricalhos” na fatura de
energia.
A quitação antecipada do
empréstimo de R$ 21 bilhões firmado pela Câmara de Comercialização de
Energia Elétrica (CCEE) com um grupo de bancos, para socorrer as distribuidoras
na crise energética de 2014, articulada pela Aneel no ano passado, gerou um
efeito redutor estimado na tarifa de 3,7%, em 2019, e 1,1%, em 2020. Esses
ganhos, porém, foram rapidamente ofuscados pelo novo orçamento da Conta
de Desenvolvimento Energético (CDE) para 2020, de R$ 22 bilhões, 8%
superior em relação a 2019 e com impacto estimado nas tarifas neste ano de
2,4%.
Conhecida como o “super
fundo” do setor elétrico, a CDE é utilizada para subsidiar desde a aquisição de
combustível fóssil para geração de energia no Norte e Nordeste até a operação
de projetos de fontes renováveis, passando por descontos na conta de luz de
consumidores de baixa renda e de setores de irrigação e aquicultura, além
de investimentos na universalização do serviço de energia.
Um dos caminhos para
reduzir a conta é o substitutivo do Projeto de Lei do Senado (PLS) 232/2016,
que integra o plano de reforma do setor elétrico do governo federal.
Apresentado pelo senador Marcos Rogério (DEM-RO), o texto prevê o fim de
subsídios para fontes renováveis, entre elas eólica e solar, por entender
que o preço dessas tecnologias já é competitivo.
O PLS, que também prevê
a abertura do mercado de energia, foi aprovado ontem na comissão de serviços de
infraestrutura da casa, em reunião que teve a presença do ministro de Minas e
Energia, Bento Albuquerque, e do diretor-geral da Aneel, André
Pepitone.
A Associação Brasileira
dos Comercializadores de Energia (Abraceel) comemorou o avanço e disse
acreditar que o projeto tem condições de ser aprovado na Câmara até o fim do
primeiro semestre. “Não vejo grandes restrições [para aprovação até junho], [o
texto] vai ao encontro da filosofia do Rodrigo Maia, tem amplo consenso no
setor elétrico”, afirmou Reginaldo Medeiros, presidente da entidade.
Na visão de Rodrigo
Pedroso, presidente do grupo Pacto Energia, a modernização do setor elétrico
trará benefícios a todos os agentes, não só aos consumidores.
Por outro lado, o desejo
do presidente Jair Bolsonaro de que seja criado um novo marco legal para a
geração de energia solar distribuída, preservando o subsídio para o setor que
estava previsto para ser eliminado em âmbito regulatório, deve exigir mais
recursos da CDE. Após a polêmica no início do ano sobre a “taxação do sol”, o
deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) deve apresentar projeto de
lei em linha com a ideia do presidente, mantendo o subsídio por alguns anos até
que seja eliminado gradualmente.
Sem uma discussão mais
profunda no Congresso nos últimos anos, a CDE coleciona ineficiências e
distorções, contribuindo para que os encargos setoriais, junto com os
tributos, respondam por metade da conta de luz dos brasileiros. Entre os itens
do fundo, o mais oneroso é a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), relativa
ao uso de combustível fóssil para geração de energia em áreas isoladas do Norte
e Nordeste. Sozinha, a CCC responde por cerca de um terço do orçamento da
CDE.
Especialistas ouvidos
pelo Valor defendem que os custos da CDE sejam alocados no Orçamento. O
argumento é que, por se tratar de política pública, os subsídios deveriam ser
financiados pelo contribuinte, e não pelo consumidor de energia. Mas o mais
importante é que, ao ser bancado pelo Tesouro, o subsídio passaria por um
controle mais rigoroso pelo governo.
Para a economista Elena
Landau, “a CDE se transformou em um grande tapete sob o qual são colocadas
todas as ineficiências do setor”. Na visão dela, também é preciso evitar o uso
da tarifa de energia para fazer política pública.
Na mesma linha, o
presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, defende a fiscalização
sobre a conta dos combustíveis para geração em área isolada. “Essa questão que
tem que ser vista de perto. ”
Segundo a
superintendente de Regulação da Light, Angela Gomes, o modelo da CDE hoje
é insustentável para a distribuidora.
Ela atenta ainda para
outra distorção, relativa à diferença da cobrança da conta entre as regiões do
país. O custo médio do encargo é cerca de cinco vezes maior para os
consumidores do Sul, Sudeste e Centro-Oeste do que para os usuários do Norte e
Nordeste.
Um argumento para isso é
a maior proporção de famílias de menor poder aquisitivo no Norte e Nordeste. O
problema, diz Angela, é que a CDE não considera a complexidade socioeconômica
dos Estados. No Rio de Janeiro, por exemplo, 4 terawatts-hora (TWh) por ano - o
equivalente a quase 1% do consumo total do país no mesmo período - são
furtados em áreas de risco dominadas pelo tráfico de drogas e milícias,
onde a Light não consegue atuar. O custo dessa perda recai na distribuidora e
seus clientes.
Segundo ela, a CDE
responde por 11% da tarifa da Light. Desse total, 8 pontos percentuais são
transferidos para outros Estados. Ao todo, estima-se que a CDE custará aos
consumidores da Light R$ 1,3 bilhão em 2020.
De acordo com
levantamento da TR Soluções, empresa de tecnologia especializada em
tarifas de energia, a CDE responde em média por 11,4% da tarifa do consumidor
residencial no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. No Norte e Nordeste, essa fatia cai
para 3,7%.