O Globo, n. 32650, 28/12/2022. Opinião, p. 2

Prazo para pedi­dos de vista no STF repre­senta ganho para a socie­dade



O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu implementar a partir do ano que vem mudanças em seu regimento interno para acabar com um instrumento usado para engavetamento indiscriminado de processos, os pedidos de vista. Os ministros continuarão com o direito de interromper julgamentos sob a justificativa de que precisam de mais tempo para examinar determinada questão, mas com uma diferença: os processos serão automaticamente liberados para análise dos demais ministros após um prazo de 90 dias.

Concebidos para dar mais tempo para os juízes tomarem decisões mais informadas, os pedidos de vista foram desvirtuados. Tornaram-se um mecanismo de obstrução ou adiamento indefinido de processos. É comum que, ao perceber que suas posições serão vencidas, ministros peçam vista para retirar o processo da pauta. Atualmente há 241 processos interrompidos por pedidos de vista no plenário, o mais antigo de 2015. Pela regra anterior, os ministros deveriam tê-los devolvido em 30 dias ou justificado a prorrogação, mas não havia sanção em caso de descumprimento do prazo.

Com a reformulação, ganha a sociedade. Um processo pautado pela Corte será decidido, no máximo, em questão de meses, não em anos. Um Supremo mais transparente e menos arbitrário transmite uma sensação de maior estabilidade institucional e conquista mais confiança da população.

Outra mudança passará a valer em janeiro. Medidas cautelares decididas por apenas um ministro precisarão, em casos de urgência, ser imediatamente submetidas à análise dos demais integrantes do plenário ou da Turma responsável. É uma tentativa de enfraquecer uma caraterística que mancha a reputação do Supremo: ser um tribunal monocrático, formado por 11 ilhas que tomam decisões isoladas.

Para ter ideia, 85% das 89.813 decisões de 2022 foram tomadas de forma monocrática. Nos casos em que o julgamento de uma liminar por um único ministro causa efeitos irreversíveis, a sociedade perde. Recentemente, um notório líder de facção criminosa foi libertado e, quando a decisão foi revertida, ele já estava fora do alcance da lei.

Embora correta, a avaliação pelo plenário ou por turmas das liminares monocráticas precisará ser feita com parcimônia para não congestionar ainda mais a pauta. O tempo médio para uma decisão colegiada é de 359 dias, o triplo das monocráticas.

O Supremo tem sido incansável na missão de defender o texto constitucional. Sob ataque constante do presidente Jair Bolsonaro, passou — não sem sobressaltos — em seu maior teste desde a redemocratização. Em dezembro de 2019, apenas 19% dos brasileiros avaliavam o trabalho do STF como ótimo ou bom, segundo o Datafolha. O índice subiu para 31%. A ministra Rosa Weber, presidente do STF, fez bem em aprovar as mudanças no regimento interno, mas terá de avaliar os resultados para não colher consequências indesejadas.