O Globo, n. 32650, 28/12/2022. Economia, p. 15

Lula assume o governo com 1,1 milhão à espera de bene­fí­cio do INSS

Fernanda Trisotto
Letícia Messias


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai assumir o governo com uma fila de 1,1 milhão de brasileiros à espera da concessão de algum tipo de benefício da Previdência Social. O contingente é menor do que quando Jair Bolsonaro assumiu a Presidência, em 2019, mas segue em um patamar elevado apesar de o atual governo ter tomado medidas para acelerar tanto a liberação dos benefícios no período eleitoral que foi preciso reprogramar o orçamento para garantir o pagamento das aposentadorias.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO pontuam que dar mais eficiência ao INSS é o grande desafio do próximo governo nessa área e alertam que destravar a fila implicará em aumento dos gastos públicos. No entanto, avaliam que é possível mensurar o impacto da concessão de mais benefícios e prever esse efeito no Orçamento da União, de forma planejada:

— O grande desafio é dar eficiência ao INSS para evitar a judicialização dos casos. E é preciso ter orçamento para custear o acumulado dessa fila: se ela se reduz muito rapidamente, pedidos estão sendo indeferidos ou concedidos — diz Diego Cherulli, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), alertando que um esforço para reduzir a fila com número maior de concessões demandará um planejamento orçamentário acima do adotado em condições normais.

Quatro meses sem solução

A fila de brasileiros à espera da concessão de algum tipo de benefício da Previdência bateu 1.144.047 pessoas em novembro, de acordo com dados do INSS obtidos pelo GLOBO via Lei de Acesso à Informação (LAI). Esses números compreendem todos os pedidos iniciais, inclusive os que dependem de perícia médica. Nos cálculos do economista Paulo Tafner, a fila do INSS precisa ser reduzida para uma média mensal entre 200 mil e 300 mil requerimentos iniciais para evitar o represamento:

— Na tentativa de acelerar processos, o INSS aprofundou seu atendimento digital, o que é problemático. O que antes já era descartado no guichê hoje vira mais um número na fila. O INSS tem que ter uma linha de atendimento eletrônico, mas tem que manter o atendimento presencial.

A advogada Andrea Lemos, de 57 anos, é uma das pessoas à espera de benefício na fila do INSS. Com 33 anos de contribuição e experiências nos setores público e privado, ela solicitou a aposentadoria em agosto deste ano. O Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) já indicava todo o tempo de serviço, mas o período em que atuou como funcionária pública aparecia como "não computado". Após dois meses e meio de espera, ela recebeu uma negativa do INSS e ainda não conseguiu comprovar o período trabalhado.

— Depois de muito esforço, consegui uma ida presencial ao INSS para fevereiro de 2023. Se eu, que sou advogada e tenho noção dos meus direitos, estou com dificuldades de me comunicar com eles, imagina as outras pessoas? — diz Andrea.

Fila menor

A situação do início do governo Lula será um pouco mais confortável que a de Bolsonaro no início de seu mandato. Em janeiro de 2019, a fila do INSS tinha 1.629.969 pessoas aguardando a análise dos pedidos, de acordo com o órgão. Esse estoque chegou a bater a marca de 2,8 milhões de pedidos represados ainda naquele ano.

Para reduzir o volume, o governo voltou a pagar bônus de produtividade para servidores e peritos, expediente já adotado em outras gestões. Desde maio de 2022 há previsão de pagamento de um valor extra por benefícios analisados, mas a medida acaba neste mês. Essa foi uma tentativa de diminuir a fila, muito embora o esforço tenha se concentrado nas proximidades da eleição presidencial.

De acordo com o INSS, foi em agosto deste ano que os servidores do órgão conseguiram analisar mais pedidos: processaram cerca de 680 mil requisições, mas nem todos foram deferidos. "Esses pedidos foram analisados tanto de forma automática, quanto por servidores do INSS. É válido ressaltar que esse número não considera os benefícios por incapacidade", informa o órgão, em nota.

Força-tarefa

Para o ex-presidente do INSS, Valdir Simão, sócio do Warde Advogados, o novo governo deve fazer uma força-tarefa de início de gestão para diminuir o estoque da fila, e manter o pagamento de bônus é um mecanismo que costuma auxiliar nessa missão:

— É diretriz do próximo governo continuar o investimento em tecnologia. O governo também precisa continuar e aperfeiçoar os sistemas. Como estamos falando de um volume muito grande de transações e de recursos públicos, qualquer falha pode ter valor de impacto relevante.

Em novembro, 445.497 brasileiros esperavam resposta de pedidos para receber um benefício de prestação continuada (BPC), como os pagos a idosos e pessoas com deficiência em famílias pobres. Outras 265.216 pessoas haviam solicitado a aposentadoria, seja por idade ou por tempo de contribuição, e aguardavam a análise do INSS. Havia ainda 107.620 pessoas esperando salário-maternidade.

A demora para a concessão dos benefícios contraria a legislação. O INSS tem prazo entre 30 e 90 dias para analisar os pedidos, a depender do tipo do benefício. De acordo com o órgão, o tempo médio em novembro de 2022 foi de 72 dias para os benefícios que não precisam de perícia. Mas dados compilados pelo IBDP, também via lei de acesso à informação, mostram que esse prazo oscila bastante: em outubro, por exemplo, o tempo médio foi de 52 dias para benefícios programáveis (como aposentadorias), de 121 dias para o BPC e de até 280 dias para benefícios como auxílio-doença.

"O INSS aprofundou atendimento digital, o que é problemático. O que era descartado no guichê hoje vira _ mais um na fila" Paulo Tafner, economista