O Globo, n. 32649, 27/12/2022. Política, p. 9

STF muda regi­mento e reduz deci­sões indi­vi­du­ais



O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou uma mudança no regimento interno que estabelece prazo máximo de 90 dias para ministros devolverem pedidos de vista —mais tempo para a apreciação de processos. Isso na prática diminui o poder que um ministro teria individualmente para interromper o julgamento sem limite de tempo.

A mudança foi aprovada em uma sessão administrativa realizada em formato virtual. Após o período de 90 dias, o processo fica automaticamente liberado para os demais ministros continuarem o julgamento.

Antes havia um prazo de 30 dias para os pedidos de vista, mas sem liberação automática para julgamento em caso de descumprimento. Com isso, na prática, os ministros permaneciam com os processos parados por tempo indefinido.

A sessão também definiu que medidas cautelares decididas individualmente por um ministro, como prisões, devem ser, em caso de urgência, imediatamente submetidas à análise dos demais colegas da Corte.

Estratégia de adiamento

Os pedidos de vista com frequência são usados como estratégia pelos próprios ministros para adiar julgamentos. Um dos casos mais célebres foi um pedido de vista feito por Gilmar Mendes, em dezembro de 2018, do pedido de suspeição do ex-juiz Sergio Moro no caso do tríplex no Guarujá (SP) do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. À época, Moro havia sido convidado para se tornar ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro e estava com popularidade alta. Gilmar só devolveu o caso em março de 2021, depois que o ministro Edson Fachin havia decidido, em um outro processo, anular as condenações da Lava-Jato contra Lula.

Após um processo de desgaste político de Moro e da Lava-Jato, o longo pedido de vista de Gilmar acabou gerando uma mudança de cenário. Com isso, Moro foi considerado suspeito depois que o julgamento foi retomado. Cármen Lúcia, que já havia votado contra a suspeição, mudou de posição e acompanhou Gilmar Mendes.

Em setembro deste ano, um julgamento da Corte sobre a obrigatoriedade do Estado em garantir vagas em creches foi suspenso por um pedido de vista do ministro André Mendonça e ainda não tem previsão de retornar à pauta. Indicado para a Corte pelo presidente Jair Bolsonaro, Mendonça também pediu vista em um julgamento virtual sobre o inquérito das fake news e outras investigações relacionadas, ainda sem definição.

Também indicado por Bolsonaro, o ministro Kassio Nunes Marques paralisou julgamentos de interesse do titular do Palácio do Planalto e de seus aliados com pedidos de vista. Um deles foi da ação penal que poderia tornar réu pelos delitos de homofobia, calúnia e incitação ao crime o ex-deputado Roberto Jefferson.

Em novembro do ano passado, o próprio presidente da República admitiu que Nunes Marques vinha pedindo vista em processos que envolviam causas conservadoras para evitar derrotas. E que, por causa da indicação do magistrado para a Corte, tinha 10% dele dentro do STF. A declaração foi dada antes da ida de Mendonça para o STF.

Um levantamento feito pelo GLOBO em fevereiro de 2021 contabilizou 377 processos do STF paralisados por pedidos de vista.