O Globo, n. 32649, 27/12/2022. Opinião, p. 3

A lei do lobby e o dever de casa do Senado

Rodrigo Brandão
Flávio Carvalho Britto
José Luis Minc


O lobby consiste na representação profissional de interesses perante órgãos públicos. A expressão centenária tem origem na prática de muitos aguardarem em lobbies de Casas Legislativas, órgãos públicos ou hotéis em busca de uma oportunidade para encaminhar temas a autoridades e influenciar decisões políticas.

Há — e não é só por aqui — arraigado preconceito contra a atividade, e há quem conclua que lobby se presta somente à captura ilícita da vontade de atores politicamente poderosos, apta a contaminar decisões que deveriam — sempre — ser orientadas pelo interesse público. O risco de conversas pouco ou nada republicanas é real, especialmente quando elas se dão sem a mínima transparência. Imprescindível, pois, termos uma legislação clara, que facilite a fiscalização pela sociedade civil, pelos órgãos de controle e até por grupos de interesses opostos.

Houve um avanço: após longa espera, a Câmara dos Deputados aprovou um substitutivo ao Projeto de Lei 1.202/2007, que estabelece regras básicas para o lobby no Brasil. Comemoremos, mas tal aprovação deve ser compreendida como um ponto de partida, não como uma linha de chegada. O projeto deverá merecer atento escrutínio no Senado Federal.

São notáveis os aspectos positivos: o projeto promove inovações importantes, como a definição do lobby como a representação de interesses junto aos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, abrangendo entes da administração indireta e o Ministério Público; a fixação de quarentena para agentes públicos; medidas de transparência como identificação dos participantes da audiência; a descrição do assunto nela tratado e a que título se dá a representação.

Relevantes questões, porém, ficaram em aberto, a começar pela falta de clareza da redação legislativa. Chama a atenção a ausência de diálogo com a Lei de Acesso à Informação, o que gera dúvidas em razão de superposições e incongruências legislativas. Faltou estabelecer medidas mais concretas de redução de assimetrias entre grupos envolvidos, como o dever de conceder audiência a grupo de interesse contrário com representatividade adequada — o que pode ser facilmente resolvido com a publicação de data, horário e local das audiências no Diário Oficial. Não se impôs o dever de divulgação dos materiais entregues aos agentes públicos, condicionada à anuência do representante da parte interessada (art. 14, § 2º). A criação da figura da “hospitalidade legítima” (art. 16, §2º) é igualmente controversa e abre margem a mais de uma interpretação, arriscando legitimar condutas escusas.

Essas são apenas algumas questões que devem ser postas em debate no âmbito do Senado. A aprovação de um Projeto de Lei que discipline o lobby no país constituirá, sem dúvida, sinalização positiva, tanto para a sociedade brasileira como para o universo dos negócios e para a atração de investimentos estrangeiros — além de auxiliar o ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Dada a relevância do tema, é fundamental a mobilização da sociedade civil junto aos senadores em busca de indispensáveis ajustes no projeto, para termos uma lei que, de fato, regulamente o lobby de forma transparente e eficaz.