Valor Econômico, n. 4949, 28/02/2020. Finanças, p. C2

Dólar toca R$ 4,50 apesar de ação do BC
Marcelo Osakabe
Lucas Hirata
Victor Rezende


Os mercados mundiais viveram mais um dia de tensão à mercê do noticiário sobre a propagação do coronavírus em todo o mundo. Embora a Organização Mundial de Saúde (OMS) resista em classificar o surto como pandemia, a sucessão de casos, que já atingem cinco dos seis continentes do planeta, manteve os ativos de risco sob estresse.

No Brasil, esse cenário levou o dólar comercial a superar a marca inédita de R$ 4,50 ainda pela manhã, para depois se acomodar e encerrar em alta de 0,80%, aos R$ 4,4764. O risco de uma desaceleração econômica em todo o mundo, devido à disseminação da doença, reforçou o debate sobre reduções de juros. Assim, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 caiu de 4,77% para 4,70%.

O avanço do dólar contra o real ocorreu novamente apesar do leilão de swap cambial do Banco Central, que injetou o equivalente a US$ 1 bilhão no mercado de derivativos. “O leilão do BC é mais para dar uma segurada no movimento de alta do câmbio que reverter a direção”, diz Victor Beyruti, economista da Guide. “Até a gente ver algum alívio à frente, o câmbio e a bolsa brasileira vão continuar pressionados. ”

Embora não tenha mudado o sentido da negociação, a atuação da autoridade monetária limitou as perdas do real, que se manteve fora do ranking de divisas com pior desempenho da semana. Até esta quinta-feira, a moeda brasileira acumulava desvalorização de 1,87%, inferior à do peso colombiano (-3,45%), rand sul-africano (-2,91%) e rublo russo (-2,79%).

O desempenho “mediano” da moeda brasileira em relação às divisas comparáveis reforçou o debate, durante o dia, sobre a necessidade de novas intervenções. “Não tem razão para intervir sempre se o mundo todo está piorando também”, diz um profissional de tesouraria que prefere não ser identificado.

No entanto, após o fechamento dos mercados, o BC anunciou um novo leilão de swap cambial para hoje, também no valor de US$ 1 bilhão. Luiz Eduardo Portella, sócio e gestor da Novus Capital, avalia que a piora das bolsas de Nova York para quedas superiores a 4% na reta final do pregão pode ter sido um dos gatilhos para a operação. “Estamos em ambiente de crise e o BC está dando liquidez no câmbio”, afirma.

Para Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Banco Mizuho no Brasil, embora não exista sinal de disfuncionalidade no câmbio, o BC deve ter enxergado alguma demanda adicional por proteção no mercado e, por isso, decidiu agir novamente. “À medida que o real se desvaloriza de forma rápida, aumenta a busca por hedge e, caso não se encontre oferta, a negociação pode entrar num ciclo vicioso de alta”, afirma.

A turbulência dos mercados financeiros e a possibilidade de estragos sobre a economia real nos próximos meses tiraram o risco-país das mínimas em 12 anos, nível em que operava desde o início de fevereiro. Apenas ontem, o spread dos contratos de Credit Default Swap (CDS) de 5 anos do Brasil saltou de 111 para 131 pontos, avanço de 17,1%, segundo dados compilados pela Markit, o maior nível desde 16 de outubro. O risco-país do Brasil, no entanto, caminhou junto com o de países comparáveis, como o do México (com alta de 19,5%) e da Colômbia (+19,3%).

Mesmo que em segundo plano, a piora das relações entre Executivo e Congresso também contribui para a postura defensiva dos investidores após o presidente Jair Bolsonaro compartilhar vídeos chamando para atos contra o Parlamento. “Sem dúvida atrapalha. Adiciona um pouco de incerteza e pode ser até um motivo a mais para atuação do BC”, diz Rostagno, do Mizuho.

O câmbio local iniciou na quarta-feira a correção represada no feriado, mas o posicionamento dos investidores estrangeiros e dos locais não se alterou significativamente no mercado, segundo dados da B3. Até quarta-feira, último dado disponível, os estrangeiros mantinham posição “comprada” em dólar (que ganha na alta da cotação) perto de US$ 24,654 bilhões, patamar parecido com o do começo do ano. Já os investidores institucionais locais seguem “vendidos” em US$ 6,252 bilhões em derivativos de mercados - quando os swaps cambiais são considerados, a posição líquida em dólar é comprada em US$ 5 bilhões.