O Globo, n. 32647, 25/12/2022. Política, p. 7

Inves­ti­ga­ções con­tra pre­si­dente des­ce­rão à 1ª ins­tân­cia

Aguirre Talento
Mariana Muniz


Ao deixar o Palácio do Planalto em 1º de janeiro, Jair Bolsonaro perderá o foro privilegiado, condição que mantém as investigações criminais relacionadas a ele no Supremo Tribunal Federal (STF). Durante os seus quatro anos de mandato, o atual mandatário fez recorrentes ameaças e ataques aos integrantes da Corte. A partir do mês que vem, porém, parte dos processos a que Bolsonaro responde será enviada à primeira instância. Isso significa que eles passarão a tramitar sob a responsabilidade de diferentes delegados, procuradores e juízes. Ao menos três investigações em curso no STF devem ser remetidas à Justiça Federal, duas delas em fase final.

Um desses inquéritos preocupa mais o entorno do chefe do Executivo. Nele a PF já concluiu que Bolsonaro cometeu o delito de "incitação ao crime", com pena prevista de detenção de três a seis meses, por incentivar a população a não usar máscaras por meio da divulgação de notícias falsas em uma live . A PF também sustentou no mesmo caso que, ao associar falsamente a vacina da Covid-19 ao desenvolvimento do vírus da Aids, o presidente cometeu uma contravenção (ilegalidade de menor potencial ofensivo) de "provocar alarme a terceiros, anunciando perigo inexistente".

O caso está sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Em agosto, a PF pediu autorização para indiciar Bolsonaro pelo delito de incitação e tomar o seu depoimento, mas ainda aguarda a decisão do magistrado. Quando o processo chegar à primeira instância, a PF não precisará mais de autorização judicial para indiciar Bolsonaro nem para ouvi-lo. Isso poderá ser feito a qualquer momento, já sob a nova gestão do governo Lula. Um segundo caso também está em fase final. Este tende a ser arquivado. Os investigadores não identificaram crimes nas interferências feitas por Bolsonaro na PF. Esse inquérito foi aberto após o ex-ministro Sergio Moro acusar o presidente de ter atuado indevidamente na corporação para ter acesso a informações de seu interesse. Com base na análise da PF, a Procuradoria-Geral da República também solicitou o arquivamento. O relator, Alexandre de Moraes, não chegou a despachar o pedido. Caso ele não decida até o dia 31 de dezembro, o desfecho deverá ocorrer na primeira instância. Com isso, o procurador que assumir o caso pode reanalisar as provas e avaliar se há elementos para apresentar uma denúncia contra Bolsonaro ou manter o pedido de arquivamento. Uma terceira linha de apuração ainda está em fase inicial e envolve suspeitas de corrupção no Ministério da Educação sob a gestão de Milton Ribeiro. O caso foi remetido ao STF depois que Ribeiro citou o presidente em uma interceptação telefônica, dizendo ter sido avisado que poderia ser alvo de buscas. A relatora, ministra Cármen Lúcia, solicitou ao delegado Bruno Calandrini a definição das diligências para investigar se Bolsonaro tentou interferir ilegalmente na investigação. Com a perda do foro, essas diligências deverão ser conduzidas sob o crivo da Justiça Federal do DF, mas continuarão com o mesmo delegado.

Milícias digitais

Ainda não há clareza sobre o destino de investigações que apuram a relação de Bolsonaro com milícias digitais, que atacam instituições democráticas e disseminam fake news. Como também apuram a atuação de parlamentares, que continuarão com foro privilegiado, é possível que os casos continuem no STF.

O mesmo deve acontecer com um inquérito aberto a partir das conclusões da CPI da Covid para apurar a atuação de Bolsonaro e parlamentares na disseminação de notícias falsas sobre a doença. Na primeira instância, os inquéritos serão distribuídos de forma aleatória a procuradores que gozam de independência funcional e decidirão se apresentam acusações penais contra Bolsonaro. Enquanto presidente da República, o chefe do Planalto só pode ser eventualmente responsabilizado na esfera criminal pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. Em diversas ocasiões, Bolsonaro negou que tenha cometido as irregularidades das quais é acusado nos inquéritos o Supremo.

Incitação ao crime

Alguns casos que envolvem o presidente e devem deixar o STF
Bolsonaro é investigado por incentivar a população a não usar máscaras e a desrespeitar outras regras sanitárias por meio de notícias falsas. A Polícia Federal pediu para tomar seu depoimento, mas ainda aguarda autorização do STF. Na primeira instância, não será mais necessária autorização para ouvi-lo ou mesmo para indiciá-lo.

Interferência na PF

Este é um caso mais próximo da conclusão. Foi aberto a partir das acusações do ex-ministro Sergio Moro ao deixar o governo. Até aqui, depois de dois anos de inquérito, os investigadores da PF não acharam indícios suficientes. A PGR pediu ao Supremo o arquivamento do caso.

Corrupção no MEC

Caso foi levado ao STF depois que Bolsonaro foi citado pelo ex-ministro Milton Ribeiro numa interceptação telefônica, dando a entender que o presidente o avisou de uma operação de busca e apreensão.