O Globo, n. 32645, 23/12/2022. Economia, p. 19
Orçamento secreto muda, mas divisão de verba é igual
Geralda Doca
No último dia antes do início do recesso parlamentar, o Congresso Nacional aprovou ontem o Orçamento que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva terá para governar o país em 2023. A aprovação ocorre um dia após o Congresso Nacional promulgar a “PEC da Transição”, que amplia em R$ 145 bilhões o teto de gastos, liberando recursos para o programa nacional de transferência de renda, que será rebatizado de Bolsa Família, além de R$ 23 bilhões para investimentos.
A PEC permitiu manter o Bolsa Família em R$ 600 e ampliar outra série de despesas. O texto aprovado ontem pelo Congresso, porém divide os recursos que “sobraram” do orçamento secreto de maneira similar ao que vinha sendo discutido pelos parlamentares antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar esse mecanismo inconstitucional.
Além da ampliação dos gastos autorizados pela PEC, o parecer do relator-geral do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), faz ajustes para adequar a peça a orçamentária à decisão STF. Abastecido por emendas de relator, o orçamento secreto previa R$ 19,4 bilhões para o próximo ano.
Com a decisão do Supremo, o relator redistribuiu R$ 9,5 bilhões entre deputados e senadores, turbinando as emenda individuais, que são de caráter impositivo. Ou seja, o Executivo é obrigado a desembolsar a verba, utilizada pelos parlamentares para beneficiar suas bases eleitorais.
Outros R$ 9,8 bilhões foram repartidos entre os ministérios. Essa divisão ficou em proporção semelhante com base nos montantes que o orçamento secreto já havia destinado a cada pasta.
Rombo nas contas
O Ministério do Desenvolvimento Regional (assim chamado atualmente, mas que deve mudar de nome) foi o mais beneficiado, com R$ 4,4 bilhões. Este ministério já era o mais beneficiado com as emendas de relator. Depois, veio a Saúde, com R$ 3 bilhões, que receberá o dinheiro para o Fundo Nacional de Saúde.
Essa forma agrada aos parlamentares porque o dinheiro é distribuído via fundos, com o recurso caindo direto na conta de estados e municípios. Outra área beneficiada foi o Ministério da Cidadania, em valor próximo ao que estava no orçamento secreto.
A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), alvo de denúncias de irregularidades na aplicação de emendas do orçamento secreto, ficou com R$ 735,9 milhões.
Com os recursos da PEC, o futuro governo terá R$ 10,5 bilhões para retomar o programa Minha Casa Minha Vida e atender famílias de baixa renda. O aumento do teto de gastos também servirá para recompor recursos para os orçamentos do Ministério da Saúde (R$ 22,7 bilhões), Desenvolvimento Regional (R$ 18,8 bilhões), Infraestrutura (R$ 12,2 bilhões) e Educação (R$ 10,8 bilhões), entre outros.
Com a licença da PEC para ampliar os gastos, a projeção é que o rombo nas contas públicas no primeiro ano do futuro governo salte de R$ 63,7 bilhões para R$ 231,5 bilhões. Esse dado consta no relatório do relator do Orçamento, Marcelo Castro.
— De fato, a referida emenda constitucional (que aumenta o teto de gastos) determina que não serão consideradas, para fins de verificação do cumprimento dessa meta, as despesas acomodadas pelo aumento do teto de gastos em R$ 145 bilhões e pelo espaço fiscal adicional de R$ 23 bilhões gerado pela exclusão desse teto de despesas com investimentos — disse Castro.
Ou seja, a meta fiscal, que o governo deve perseguir, não vai considerar os efeitos da PEC, embora o resultado final das contas acabe incorporando o impacto. Durante a sessão da Comissão Mista de Orçamento, Castro afirmou que a proposta de Orçamento de 2023 enviada pelo governo Jair Bolsonaro (PL) era inexequível.
— Existe todo um contexto a justificar a necessidade de alteração do teto de gastos da União, com vistas a permitir o aporte adicional de R$ 70 bilhões para o atendimento do programa Bolsa Família, bem como corrigir diversas distorções que a proposta orçamentária apresenta — destacou o senador.