Valor Econômico, v. 20, n. 4905, 20/12/2019. Política, p. A12
 

Bancos e fintechs veem contrassenso em ‘CPMF digital’
 Talita Moreira
  Flávia Furlan


 

A ideia de criação de um imposto sobre transações digitais, aventada ontem pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, pegou bancos e fintechs de surpresa num momento em que o Banco Central (BC) vem adotando medidas para incentivar a competição no setor financeiro por meio de novas tecnologias.

Para o dirigente de um grande banco, a medida é “um contrassenso completo” e “só causa mais tumulto”. Fonte próxima a uma companhia de pagamentos também criticou a proposta, que, na sua visão, reduziria eficiência.

“Só ajudaria a aumentar a informalidade e o uso do papel moeda, que ainda é muito alto no Brasil e ocasiona efeitos adversos, como gastos com segurança, assaltos e outras mazelas”, diz um executivo de um banco digital.

Levantamento da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mostra que, em 2018, 60% das transações bancárias já se davam pelo celular ou pela internet. Ainda não há dados disponíveis para este ano, mas é certo que esse percentual já está muito maior.

 

Para se ter uma ideia da velocidade de crescimento dos canais digitais, o número de transações no mobile banking dobrou em dois anos. No fim do ano passado, os celulares já representavam 40% do número de transações, ainda segundo a Febraban.

Portanto, ao mirar nas operações digitais, Guedes tem em vista um volume de transações financeiras que tende a aumentar com o passar dos anos, dado o crescimento desses canais.

A taxação dessas transações é uma ideia polêmica, mas que vem circulando há alguns anos. Considerado um dos “pais” da CPMF, o economista Edgar Feige defendeu a cobrança automática de um imposto sobre transações digitais em um artigo publicado em 2017. Feige é formado em Chicago, assim como Guedes.

Fontes do setor ouvidas pelo Valor afirmaram que suas instituições não foram consultadas pelo governo a respeito da CPMF. A reação foi negativa, e a expectativa é que o Congresso enterre qualquer iniciativa nesse sentido - como já sinalizou na manhã de ontem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O deputado tem sido o principal interlocutor de banqueiros e investidores em questões nas quais têm visão divergente em relação à do governo.

Um alto executivo de uma grande instituição financeira afirma que a tributação das transações digitais teria impacto para a sociedade como um todo, e privilegia empresas que têm fluxo de caixa mais longo. Pagariam mais imposto setores e consumidores quem têm giro mais rápido. Segundo essa fonte, os bancos também teriam que definir a estratégia em relação a alguns produtos, especialmente aplicações dos clientes.

Um contraponto às críticas vem do sócio de uma fintech. Segundo ele, o tributo pode ser benéfico se servir para desonerar a folha de pagamentos. Essa fintech está em processo de “celetização”. Por causa dos custos envolvidos, vai contratar 30 pessoas a menos do que estava planejando. Esse interlocutor lembra que a oferta de programadores no Brasil está escassa e cara, o que tem levado fintechs como Nubank e Creditas a abrir unidades de TI fora do país.

Procuradas pelo Valor, a Febraban e a Associação Brasileira de Bancos (ABBC) não comentaram o assunto.