O Globo, n. 32643, 21/12/2022. Economia, p. 13

Câmara aprova texto-base

Manoel Ventura
Geralda Doca


A Câmara dos Deputados aprovou ontem com 331 votos a favor e 168 contrários a "PEC da Transição ", a proposta de emenda à Constituição que viabiliza o cumprimento de promessas de campanha. Eram necessários 308 votos para aprovação. A votação do texto-base em primeiro turno só foi possível após o fechamento de um acordo para destravar a PEC entre o governo eleito — representado pelo futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad —com líderes partidários, no qual foi definido que a "licença para gastar" teria prazo reduzido de dois anos (conforme o texto aprovado no Senado) para apenas um ano. Além disso, antes de a PEC ser levada a plenário foi acertada nova divisão de recursos do orçamento secreto. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) votou a favor da PEC — isso não é praxe, já que o presidente costuma se abster de votações.

A conclusão dos destaques e a votação do segundo turno ficaram para hoje.

A PEC abre espaço de R$ 168 bilhões no Orçamento do próximo ano, incluindo investimentos. Mas o montante chega a R$193,7 bilhões quando se adicionam à conta os penduricalhos inseridos no texto (veja no infográfico ao lado o detalhamento dos recursos) .O texto autoriza despesas fora do teto de gastos (a regra que limita o crescimento dos dispêndios públicos). A proposta é prioridade do governo eleito, pois abre caminho não só para a manutenção do Bolsa Família no valor de R$ 600, como para o aumento real do salário mínimo e a recomposição de verbas para programas como o Farmácia Popular.

Ao aceitar a redução do prazo, o governo eleito será forçado a negociar novamente com o Congresso para garantir recursos para 2024. Mas esta foi a condição imposta por lideranças da Câmara para aprovar a PEC sem que ela tivesse o valor reduzido. A mudança no prazo não obrigará a PEC a voltar para o Senado, já que ela é tecnicamente considerada uma supressão e não uma alteração da proposta.

Partilha de recursos

A PEC só ganhou fôlego na Câmara depois que ficou acertada ontem entre o novo governo e os parlamentares uma nova divisão dos R$19,4 bilhões em recursos do orçamento secreto, declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Essa partilha agradou aos deputados porque eles terão mais recursos para suas emendas individuais.

Ficou decidido dividir os valores igualmente entre emendas individuais (a que todos os deputados e senadores têm direito e são divididas igualmente) e recursos livres para custeio dos ministérios. Ou seja, o governo ficaria com uma parte do dinheiro. Assim, serão R$ 9,7 bilhões para emendas e mais R$ 9,7 bilhões para o governo.

O valor para as emendas individuais será fixado na "PEC da Transição". Esse trecho especificamente será analisado pelo Senado, o que pode ocorrer ainda esta semana.

A "PEC da Transição" estava travada na Câmara desde o início do mês, depois de ser aprovada no Senado. Entre domingo e segunda-feira, porém, duas decisões do STF embolaram as negociações.

O ministro do STF Gilmar Mendes decidiu que parte do Bolsa Família poderia ser paga fora do teto de gastos, que trava as despesas federais —o que deu um plano B claro para o governo eleito, aumentando seu poder de barganha.

E, na segunda-feira, a maioria do plenário da Corte declarou inconstitucional o orçamento secreto, usado nos últimos anos para distribuir recursos para parlamentares aliados da cúpula do Congresso Nacional.

Ao longo dos últimos anos, Lira vinha usando o orçamento secreto como forma de construção de apoio político, já que seus aliados recebiam um volume maior de recursos. Por isso, sua derrubada irritou alguns deputados.

Parlamentares do Centrão, especialmente do PP e do PL, começaram então a articular uma forma de desfigurar o texto aprovado no Senado logo após a decisão do STF.

Esse tema foi discutido em uma longa reunião na segunda-feira, que entrou pela madrugada. Ficou acertado que seria levada ao governo eleito a "oferta" de reduzir o prazo sem mexer no valor da PEC.

As negociações para a aprovação da PEC vinham se arrastando desde a vitória de Lula nas urnas. A decisão por bancar uma mudança na Constituição para ampliar gastos em 2023 ocorreu na primeira semana depois do segundo turno.

Ao mesmo tempo em que enfrentou resistências do mercado, por conta do seu valor, a PEC tem sido usada por Lula para montar a sua base aliada e definir os espaços na Esplanada dos Ministérios. Partidos que apoiaram Lula durante a campanha e legendas neoaliadas vão ganhar ministérios e participação no governo pela PEC e também para fazerem parte do governo ao longo dos próximos anos. No mercado financeiro, a reação foi de otimismo com o prazo menor da licença para gastar diante da preocupação coma política fiscal. A reação dos investidores se traduziu em alta da Bolsa e queda do dólar.

Votação do orçamento

Além de lidar com as pressões para mudar o texto, o PT enfrenta a pressão do tempo. O Congresso só tem até quinta-feira, fim do ano legislativo, para aprovar a PEC e o Orçamento de 2023, como prevê a Constituição.

A possibilidade que começou a ser discutida agora é convocar sessão do Congresso na próxima semana, de forma extraordinária, para concluir a votação do Orçamento.