Valor Econômico, v. 20, n. 4904, 19/12/2019. Política, p. A14
 

Lava-Jato investiga contratos da Petrobras com marítimas
Andrea Torrente


A Operação Lava-Jato no Paraná desencadeou ontem a sua fase de número 70, que investiga dezenas de contratos entre a Petrobras e empresas de transporte marítimo, alguns deles ainda em vigor. A força-tarefa do Ministério Público Federal vê indícios de pagamento de propina para diretores da estatal para favorecer as empresas Maersk, Ferchem e Tide Maritime. 

“Existem contratos intermediados pela Tide e pela Ferchem que vão até 2020, alguns até 2027, alguns até 2028”, explicou o procurador do Ministério Público Federal do Paraná, Athayde Ribeiro Costa, em coletiva. “Apura-se se há pagamento de propina e de que forma que é. Estamos aprofundando esses fatos.”

Ontem de manhã, a Polícia Federal cumpriu 12 mandados de busca e apreensão em São Paulo, Rio de Janeiro e Niterói. Expedidos pela 13ª Vara Federal de Curitiba, os mandados foram cumpridos nas sedes das empresas e nas residências do ex-diretor de logística da Petrobras, Eduardo Autran, e de corretores que realizavam a intermediação com a estatal. A  fase 70 foi batizada de “Óbolo”.

Os investigadores apontam pagamentos mensais de propina nos contratos de afretamento e abastecimentos dos navios que teriam somado cerca de R$ 60 milhões. Entre 2002 e 2018, as empresas de navios celebraram centenas de contratos com a Petrobras, que somam mais de R$ 6 bilhões.

O ex-tesoureiro do PP, João Cláudio Genu, já condenado no mensalão e na Lava-Jato por envolvimento em esquemas de corrupção, é apontado com um dos pivôs da organização. Diálogos encontrados em seu celular em 2015, no âmbito da Operação Politeia, demonstrariam que ele atuava na Petrobras e direcionava contratos de afretamentos para os armadores representados pela Tide Maritime e pela Ferchem.

“Chama atenção que um ex-tesoureiro de um partido estaria dando ‘pitaco’, vamos dizer assim, em contratos da Petrobras. Ele gerenciava um esquema de corrupção na área de afretamento de navios”, afirmou Ribeiro. “Ele era responsável por coletar valores e mantinha com Eduardo Altan e Paulo Roberto Costa [respectivamente ex-diretores de logística e de abastecimento da Petrobras] uma interlocução para ter consciência total das demandas da Petrobras e quais contratos seriam celebrados.”

Numa conversa entre Genu e o sócio da Tide Maritime, Gustavo de Sá, o Ministério Público Federal vê indícios que o esquema fraudulento teria continuado inclusive após a saída de Paulo Roberto Costa da Petrobras, em 2012. “Nesse diálogo, Genu fala da estruturação da diretoria de abastecimento, notadamente a área de afretamentos, após a saída de Paulo Roberto Costa, o que nos chama atenção para uma possível atualidade do esquema”, diz Ribeiro Costa.

A Lava-Jato investiga também as contas no exterior de Gustavo de Sá, sócio da Tide Maritime, e de Pedro e Rodolfo Blyth, sócios da Ferchem, “"que podem ter sido utilizadas para pagamento de propinas”.

Em nota, a Maersk Brasil confirmou que seus escritórios em São Paulo e no Rio foram alvo de busca na manhã de ontem e que a empresa “cooperará plenamente com as autoridades em relação ao caso em andamento”. “Reiteramos, como questão de política empresarial, que a Maersk trabalha contra qualquer tipo de comportamento ilegal”, diz a nota.

Procurada, a Tide Maritime não se pronunciou. Até o fechamento desta edição, a reportagem não tinha conseguido contato com o advogado de João Cláudio Genu e com a Ferchem.

Esse é o segundo caso investigado pela operação envolvendo contratos de afretamentos de navios. O MPF ofereceu denúncia perante a 13ª Vara Criminal de Curitiba por crimes de corrupção e lavagem de ativos relacionados a contratos de afretamentos celebrados pela Petrobras com os armadores gregos Athenian Sea Carriers, Tsakos Energy Navigation, Dorian (Hellas) e Aegean Shipping Management, vigentes entre 2006 e 2028, com pagamentos já identificados de US$ 17,6 milhões em propinas e comissões ilícitas.