Valor Econômico, v. 20, n. 4905 20/12/2019. Brasil, p. A6
 

Bolsonaro defende gado em terra indígena para baixar preço da carne
Fabio Murakawa

 

O presidente Jair Bolsonaro defendeu ontem a criação de gado em terras indígenas como forma de baixar o preço da carne. Ele afirmou ainda que pretende enviar ao Congresso Nacional uma proposta para permitir a mineração e a pecuária nessas terras, que classificou como uma “Lei Áurea para o índio”.

Bolsonaro falou sobre o assunto após ser abordado por uma líder indígena à porta do Palácio da Alvorada. Irisnaide de Souza Silva, da etnia macuxi, vive na reserva Raposa Serra do Sol e viajou desde Roraima para apresentar ao presidente um projeto para a criação de gado em sua comunidade e outros dois para cultivos agrícolas.

“Eu quero dar independência para eles. Se ela [Irisnaide] quer pegar sua terra arrendar para alguém plantar soja ou plantar milho lá, faça isso respeitando a legislação nossa”, disse Bolsonaro. “O índio vai poder fazer tudo na sua terra que o fazendeiro faz na dele. E ponto final.”

Depois, Bolsonaro fez referência à alta dos preços da carne no Brasil, provocada pelo aumento das exportações para a China e por uma seca que afetou as pastagens.

“O preço da carne subiu? Temos que criar mais boi aqui. Para diminuir o preço da carne, eles [indígenas] podem criar boi”, afirmou.

O presidente disse, então, ter conversado com o ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) a esse respeito. Ele afirmou que já há um texto pronto para envio ao Congresso abordando a agricultura e a mineração nessas terras. “Vai ser tudo num projeto só, a ideia é essa”, disse Bolsonaro. “Não teve a Lei Áurea? Vamos inventar um nome aí, a Lei Áurea para o índio".

Questionado, o Ministério de Minas e Energia confirmou que o projeto a que o presidente se referiu já foi enviado à Casa Civil.

Bolsonaro convidou Irisnaide ao Planalto. Quando ela chegou ao gabinete presidencial, encontrou também o presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), Marcelo Augusto Xavier da Silva.

“Ele [Bolsonaro] chamou o presidente da Funai para ver o nosso projeto de bovinocultura nas comunidades indígenas porque eles entendem dessas coisas técnicas”, contou Irisnaide ao Valor. “O presidente da Funai gostou dos projetos.”

Segundo Irisnaide, além de conversar sobre a pecuária na Comunidade Indígena Santa Creuza, ela apresentou a Bolsonaro e Silva projetos para o plantio de 100 hectares de mandioca e 500 hectares de milho. À tarde, recebeu um telefonema do senador Telmário Mota (Pros-RR), com a promessa de destinar R$ 2 milhões em emenda parlamentar extra para a mandioca.

O uso de terra indígena para pecuária e mineração em larga escala enfrenta resistência no Congresso.

Em agosto, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara deu aval a uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), de autoria de Vicentinho Júnior (PL-TO), para permitir atividade florestal e agropecuária nesses territórios.

Porém, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não criou a comissão especial necessária para prosseguir com a tramitação da proposta.

Maia também já criticou a ideia de Bolsonaro de facilitar o garimpo nas reservas.

“Não é porque tem garimpo ilegal que a gente vai tratar de legalizar o garimpo”, disse.