Valor Econômico, v.20, n. 4864, 23/10/2019. Política p.A7

 

STF decide hoje sobre caso que pode libertar Lula, Dirceu e Eduardo Cunha


Tribunal pode adotar solução intermediária, determinando o início do cumprimento de pena após o trânsito em julgado na terceira instância


Por Luísa Martins

Em uma semana decisiva para réus da Operação Lava-Jato, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve decidir hoje sobre a constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância. O julgamento será retomado com as manifestações da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR) - ambas já anteciparam ser favoráveis à medida -, para logo depois serem colhidos os votos de cada ministro.

Nos bastidores, a expectativa é a de que, com a já anunciada mudança de posicionamento por parte de alguns ministros, o plenário forme maioria para barrar a execução antecipada da pena - que atualmente é permitida, conforme jurisprudência firmada em 2016.

Caso a estimativa se confirme, a força-tarefa da Lava-Jato prevê a liberdade de 38 condenados, dentre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro José Dirceu e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, além de diversos empresários envolvidos no esquema de corrupção da Petrobras. Em um escopo mais amplo, o Conselho Nacional de Justiça divulgou que 4.895 presos poderão ser soltos.

A defesa de Eduardo Cunha contesta a previsão da força-tarefa, dizendo que o ex-deputado não seria libertado. O argumento é de que "há prisão preventiva em vigor" contra Cunha e também contra outros condenados cuja liberação está sendo prevista pela força-tarefa.

Há um consenso entre fontes credenciadas da Corte de que o STF vá barrar a prisão após condenação em segunda instância, mas ainda não está definido o alcance dessa decisão. O plenário vai discutir se a pena só poderá ser cumprida após esgotadas todas as possibilidades de recurso ou se o ideal é um meio term, em que a execução da pena será permitida após julgamento em terceiro grau, isto é, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

 Relator do caso, o ministro Marco Aurélio Mello vê nesta possibilidade mediana uma “meia sola constitucional”. Ele antecipou por diversas vezes que a prisão antes do trânsito em julgado viola a presunção de inocência - princípio que, segundo ele, não pode ser flexibilizado.

Porém, a tese de prisão após condenação pelo STJ - encampada pelo presidente da Corte, ministro Dias Toffoli - vem ganhando força. De acordo com fontes do Supremo, seria uma forma de se garantir que sentenciados aguardem em liberdade por mais tempo e, simultaneamente, atender a ala lavajatista da sociedade (e do governo) ao manter Lula preso - uma vez que o ex-presidente, em abril, já foi condenado em terceiro grau.

Em abril de 2018, a Corte negou um habeas corpus (HC) a Lula. Embora o resultado tenha ficado restrito ao caso concreto, os votos dos ministros prenunciaram que, quando voltasse à tona a discussão abstrata, prevaleceria o entendimento inverso.

A fiel da balança será a ministra Rosa Weber. No caso de Lula, ela votou contra a concessão do HC, mas ressalvou que o fazia apenas em respeito à jurisprudência do tribunal, já que é contrária à prisão antes do trânsito em julgado. Portanto, na tese genérica, ela deve dar voz à sua convicção pessoal.

A sessão começa pela manhã e deve se estender até o início da noite. Ministros têm dito que tentarão ser breves o bastante para que o resultado seja conhecido ainda hoje. Na última quinta, o plenário ouviu 13 sustentações orais de entidades interessadas na causa, 12 contrárias à prisão após sentença de segundo grau. o, em que a execução da pena será permitida após julgamento em terceiro grau, isto é, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Relator do caso, o ministro Marco Aurélio Mello vê nesta possibilidade mediana uma “meia sola constitucional”. Ele antecipou por diversas vezes que a prisão antes do trânsito em julgado viola a presunção de inocência - princípio que, segundo ele, não pode ser flexibilizado.

Porém, a tese de prisão após condenação pelo STJ - encampada pelo presidente da Corte, ministro Dias Toffoli - vem ganhando força. De acordo com fontes do Supremo, seria uma forma de se garantir que sentenciados aguardem em liberdade por mais tempo e, simultaneamente, atender a ala lavajatista da sociedade (e do governo) ao manter Lula preso - uma vez que o ex-presidente, em abril, já foi condenado em terceiro grau.

Em abril de 2018, a Corte negou um habeas corpus (HC) a Lula. Embora o resultado tenha ficado restrito ao caso concreto, os votos dos ministros prenunciaram que, quando voltasse à tona a discussão abstrata, prevaleceria o entendimento inverso.

A fiel da balança será a ministra Rosa Weber. No caso de Lula, ela votou contra a concessão do HC, mas ressalvou que o fazia apenas em respeito à jurisprudência do tribunal, já que é contrária à prisão antes do trânsito em julgado. Portanto, na tese genérica, ela deve dar voz à sua convicção pessoal.

A sessão começa pela manhã e deve se estender até o início da noite. Ministros têm dito que tentarão ser breves o bastante para que o resultado seja conhecido ainda hoje. Na última quinta, o plenário ouviu 13 sustentações orais de entidades interessadas na causa, 12 contrárias à prisão após sentença de segundo grau.

 

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Para Eros, decisão não pode ser modulada


Segundo autor de dispositivo constitucional sobre trânsito em julgado, cumprimento de pena após segunda instância fere cláusula pétrea


Por Cristian Klein 

No julgamento que o Supremo Tribunal Federal (STF) realiza hoje, a Corte tende a retomar o entendimento de que réus só podem ser presos depois de esgotados os recursos nos tribunais superiores, e não após decisão condenatória em segunda instância, como o STF definiu em 2016.

Caso a expectativa se confirme, o Supremo voltará a adotar jurisprudência anterior, estabelecida pela própria Corte em 2009.

Relator do caso à época, o ex-ministro Eros Grau, de 79 anos, afirma que, assim como quando era juiz, continua defensor do mesmo entendimento, embora, pessoalmente, gostaria de ver todos os condenados presos até antes do segundo grau de jurisdição.

“Como cidadão, gostaria de prender após a primeira instância. Mas o que o juiz deve fazer é aplicar a Constituição e as leis. É o que está escrito”, afirmou ao Valor. Eros refere-se à redação do inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Trânsito em julgado é a expressão para a decisão judicial da qual não se pode mais recorrer.

O ex-ministro diz que o STF pode e costuma mudar seu entendimento quando um determinado trecho da Constituição permite mais de uma interpretação. Mas que, neste caso, a vedação à prisão após segunda instância “está escrita com todas as letras”. “A única maneira seria alterar a Constituição. E quem faz isso é o Poder Legislativo, não é o Judiciário”, diz.

Em 2009, Eros Grau liderou a corrente majoritária que defendeu o chamado princípio da presunção da inocência e concedeu habeas corpus a um fazendeiro condenado a sete anos e seis meses de reclusão por tentativa de homicídio. Ao evitar a execução provisória da pena, o réu Omar Coelho Vitor recorreu em liberdade e jamais foi punido, pois o processo prescreveu.

Quatro ministros que ainda estão no STF acompanharam o voto de Eros Grau: Marco Aurélio Mello, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Esse último mudaria depois sua posição, permitindo a formação de maioria a favor da prisão após a condenação em segunda instância, confirmada em três julgamentos ocorridos em fevereiro (novamente por 7 a 4), outubro (6 a 5) e novembro (6 a 4, Rosa Weber não votou) de 2016.

Em abril de 2018, contudo, quando o STF retomou o assunto e negou habeas corpus ao ex-presidente Lula, pelo placar de 6 a 5, Gilmar mudou de novo seu entendimento, voltando à posição de 2009. Desde então, além dele, Dias Toffoli e Rosa Weber também oscilaram. O voto da ministra é considerado crucial pois a expectativa é que, ao analisar o mérito da questão, e não uma liminar, ela volte à posição original, contrária à execução de pena quando ainda cabe recurso. Caso se forme nova maioria, a decisão deve beneficiar Lula, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, e outros condenados da Lava-Jato.

A possibilidade de que a Corte faça uma modulação, restringindo o alcance da nova jurisprudência para os praticantes de crime de colarinho branco, deixando de fora crimes como homicídio, é criticada por Eros Grau.

“Seria uma maneira de descumprir a Constituição. Vai reforçar aquela velha história de deixar que os mais ricos, que podem contratar bons advogados, fiquem soltos e os pobres irem para a prisão”, diz. O ex-ministro concorda que há muita reação de setores da sociedade que temem que a medida prejudique a Lava-Jato. Ele lamenta a movimentação de caminhoneiros, que ameaçam fazer greve para pressionar o STF: “Hoje o Brasil está complicado. Tem a reação desses ‘bolsonaros’. É um negócio terrível”.

Responsável pela introdução do inciso LVII no artigo 5º da Carta de 1988, o ex-senador constituinte e ex-governador do Espírito Santo José Ignácio Ferreira, de 80 anos, afirma que “parte da sociedade está com sangue na boca” e vê a pena como instrumento de vingança e não de recuperação. Ferreira conta que era um dos quatro relatores-adjuntos da Assembleia Constituinte - ao lado de Fernando Henrique Cardoso (SP), Nelson Jobim (RS) e Wilson Barbosa Martins (MS) - e se inspirou na Constituição portuguesa para sugerir o item que estabelece a presunção da inocência. Ele lembra que “não houve nenhuma resistência”, porque havia todo um clima pós-ditadura militar em prol da liberdade.

Hoje, diz, o país está dividido mas a solução para se reduzir a sensação de impunidade passa por outros caminhos. “A massa lúcida quer respeito ao Judiciário num momento em que se está apupando juízes. Isso preocupa. A saída é tornar o Judiciário cada vez mais eficiente. É um problema de gestão. Pode-se mudar leis ordinárias e permitir mais agilidade. Não é um bicho de sete cabeças julgar com rapidez”, sugere Ferreira, que havia sido presidente da seção capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), antes de se eleger ao Congresso. Era do PMDB e depois foi um dos fundadores do PSDB, em 1988.

Questionado se o Brasil não é um ponto fora da curva e fica distante de países que permitem prisão já depois de uma condenação em primeira instância, o ex-governador concordou: “Fica, mas de qualquer maneira é o nosso caso, temos isso aí. É a nossa Constituição”.

Na mesma linha de Eros Grau, o ex-senador argumenta que o dispositivo é “claríssimo” e não seria passível de alteração, mesmo por proposta de emenda à Constituição, pois integra as chamadas cláusulas pétreas.

“O inciso é ‘imexível’, como disse [Rogério Magri] um ministro do [ex-presidente Fernando] Collor. Só por meio de uma nova Constituição”, afirmou.

Ferreira, que já esteve no centro de escândalo de corrupção, diz não acreditar que a mudança de jurisprudência do STF, há dois anos, ocorreu por movimento político da Corte, em resposta à pressão lavajatista. “Foi necessidade de dar celeridade às decisões do Judiciário”, afirma. Procurador de Justiça aposentado, Ferreira atribui ao trabalho da jurista Ada Pellegrini Grinover (1933-2017) a influência maior da doutrina em que se baseou o comportamento da Corte, a partir de 2016.

 

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STF condena Geddel a 14 anos e 10 meses de prisão


Decisão da 2ª Turma sobre lavagem de dinheiro foi unânime


Por Luísa Martins

 

Ex-ministro de Michel Temer (MDB) e Luiz Inácio Lula da Silva, Geddel Vieira Lima foi condenado ontem a 14 anos e 10 meses de prisão em regime inicialmente fechado, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), por ter mantido R$ 51 milhões em dinheiro vivo em um apartamento da mãe dele, em Salvador. Ele terá de pagar ainda multa de cerca de R$ 1,6 milhão.

Julgado no mesmo esquema, seu irmão, o ex-deputado federal Lúcio Vieira Lima (MDB-BA), foi condenado a 10 anos e seis meses de prisão, também em regime inicialmente fechado, e ao pagamento de multa de R$ 908 mil.

Os dois foram condenados pela 2ª Turma da Corte por lavagem de dinheiro, em decisão unânime, e associação criminosa - pelo placar de 3 votos a 2.

Pelo tempo equivalente ao dobro da pena, os irmãos estão impedidos de exercer qualquer função pública. Além disso, deverão pagar, juntos, R$ 52 milhões a título de danos morais coletivos.

Todos os ministros entenderam que os Vieira Lima praticaram oito atos de lavagem de dinheiro, seja em ocultação de valores, seja em investimentos feitos no mercado imobiliário com propina recebida da Odebrecht ou verba desviada da Caixa Econômica Federal. Geddel foi vice-presidente da Caixa.

O colegiado também decretou a perda, em favor da União, dos R$ 51 milhões encontrados no “bunker”; de imóveis adquiridos por meio de transações ilícitas; e dos lucros auferidos pelos réus com esses investimentos.

Em relação à associação criminosa, os ministros Edson Fachin, Celso de Mello e Cármen Lúcia consideraram que os irmãos, por sete anos, “se associaram de forma estável e permanente para a prática de crimes”. Neste caso, a mãe deles, Marluce Vieira Lima, também estaria envolvida, mas a investigação dela tramita em primeira instância. Neste ponto, ficaram vencidos os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

Procurado, o advogado dos irmãos, Gamil Föppel, não retornou até o fechamento desta edição.