Valor Econômico, v. 20, n. 4903, 18/12/2019. Brasil, p. A6
 

Aposta é que Lei da Informática atrairá empresas
 Matheus Schuch
 Rafael Bitencourt
 Daniel Rittner 

 

Além de atender a recomendações da Organização Mundial do Comércio (OMC) e evitar sanções, o governo espera que a aprovação da Lei de Informática destrave investimentos no setor.

Nos últimos meses, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) detectou que houve represamento da produção e dificuldade em atrair novos empreendimentos na área. Vencida a incerteza sobre o ajuste na legislação, a expectativa é retomar o ritmo na fabricação de produtos que já faziam parte do portfólio nacional, bem como receber novas empresas, ampliando a lista de eletrônicos oferecidos pelo país.

O faturamento do macrossetor no Brasil foi de R$ 479 bilhões em 2018, segundo estudo da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom). Do total, R$ 110 bilhões são de empresas habilitadas à Lei de Informática, cuja renúncia fiscal é de R$ 5,2 bilhões ao ano. Já a arrecadação de impostos federais de quem recebe incentivo somou R$ 9,8 bilhões no último ano.

O secretário de Empreendedorismo e Inovação do ministério, Paulo Alvim, avalia que a indústria brasileira de eletrônicos poderá, com a aprovação da lei, tornar-se tão diversificada quanto a automobilística, que hoje conta com representantes das principais montadoras mundiais. Fabricantes de computadores, telefones celulares, tablets e outros equipamentos de tecnologia devem ser beneficiados. A expectativa é transformar o país em uma plataforma de exportação para América do Sul.

“Neste ano, o mercado estava aguardando, então não houve investimento. Todo mundo puxou o freio de mão. Só a sanção da nova ‘Lei de TIC’ já vai fazer voltar à normalidade [de investimentos] e, mais do que isso, vai atrair novos investimentos.”

O secretário considera que os efeitos positivos também serão percebidos na balança comercial. Para ele, o país deve aumentar a importação de insumos do setor, mas “certamente” exportará mais bens eletrônicos de maior valor agregado.

Desde 2014, quando a União Europeia acionou a OMC por causa da Lei de Informática e outros programas de política industrial, o setor vive tensões relacionadas ao futuro dos incentivos fiscais. O presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, avalia que a nova lei devolve um ambiente de segurança  jurídica. Nos últimos anos, conforme o executivo, o investimento no setor tem ficado em torno de 1,9% das receitas (leia Para setor, legislação vai destravar investimentos bilionários). Antes das incertezas, observou Barbato, esse patamar chegava a 2,5%.

O texto aprovado na segunda-feira passada pelo Congresso foi acompanhado de perto pelo Executivo, que fez uma série de modificações. Para evitar sanções da OMC, era necessário ajustar a lei até o fim deste mês. Os juízes da entidade internacional consideraram que o Brasil violou a regra de tratamento nacional ao dar subsídios por meio da redução de imposto indireto, o IPI. Agora, o imposto será o mesmo para produtos nacionais e importados e o incentivo ocorrerá por meio de crédito financeiro. Além de atender aos requisitos da organização, o novo texto atualizou regras para o setor.

“Nós tínhamos uma ameaça da OMC e transformamos em uma grande oportunidade de construção coletiva, como há muito tempo não se via”, avalia Alvim. O secretário de Empreendedorismo e Inovação não perde a oportunidade de corrigir as referências ao novo marco como “Lei da Informática”. Para ele, a legislação finalmente coloca a indústria eletrônica do país no século XXI.

“Os pioneiros que batalharam pela Lei de Informática foram visionários e temos que prestar homenagem a esses veteranos, mas, agora, vivemos transbordamento dessa política industrial que se tornou velha. O momento é outro, estamos falando da Lei de TIC [Tecnologia da Informação e Comunicação], que inclui internet das coisas [IoT, na sigla em inglês], inteligência artificial e 5G [a quinta geração da telefonia móvel]”, afirmou o secretário.

Além de incentivar a produção, o novo marco legal do setor vem com a promessa de impulsionar pesquisas na área. Segundo o MCTIC, o investimento privado em pesquisa e desenvolvimento (P&D) é R$ 1,8 bilhão por ano, mais da metade em universidades. Os recursos financiam 20 mil pesquisadores.

Alvim relativizou a demora do Executivo em finalizar a nova legislação. Segundo ele, houve uma discussão ampla e necessária. Admitiu, contudo, que o Legislativo foi mais ágil e propiciou que o governo cumprisse o prazo da OMC. Ainda ontem, o secretário guardava na gaveta uma medida provisória que seria usada em caso de não fechar um acordo com o Congresso.

A manutenção do modelo de isenção aplicado à Zona Franca de Manaus foi um dos pontos de maior disputa. Mas, depois de intensa negociação, Executivo e Legislativo chegaram a um entendimento. Por isso, Alvim acredita que não haverá vetos do presidente Jair Bolsonaro ao projeto, que deve ser sancionado nos próximos dias. Antes de ter certeza, porém, ele quer analisar a íntegra da matéria publicada. Vice-presidente da Câmara e co-autor da nova lei, o deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP) também espera a sanção na íntegra. “O texto está totalmente redondo, está tudo acertado com o governo”, concluiu.