Valor Econômico, n. 4922, 18/01/2020. Política, p. A8

Agenda econômica eleva taxa de apoio a Bolsonaro na Câmara
Raphael Di Cunto
Marcelo Ribeiro
Renan Truffi
Vandson Lima


Apesar das “caneladas” com o Legislativo, o presidente Jair Bolsonaro obteve a segunda maior taxa de apoio dos deputados a um início de governo desde 2003, mostra levantamento da consultoria Arko Advice antecipado ao Valor. Das 277 votações, Bolsonaro foi derrotado 18 vezes, mas registrou um índice de votos favoráveis equivalente a 55,7% do plenário da Câmara.

O número considera todas as votações dos deputados em plenário, de projetos de lei e requerimentos de obstrução a vetos presidenciais, desde que tenha ocorrido votação nominal, e contrasta com as dificuldades de Bolsonaro com o Parlamento. Ele rejeitou o presidencialismo de coalizão (em que os partidos indicam os ministros do governo) e, sem uma base aliada sólida, bateu recorde de vetos revertidos pelo Congresso e medidas provisórias (MPs) derrubadas. No ano passado, dos 54 vetos presidenciais, 21 foram derrubados. Como parte desses vetos foi rejeitada por acordo com o governo, não contaram como derrota.

Especialistas e parlamentares apontam o perfil do Congresso, mais alinhado à agenda econômica do governo Bolsonaro do que das gestões do PT, como o responsável pela alta adesão aos projetos do Executivo. “Esses parlamentares foram eleitos num contexto de retração econômica e de aumento no desemprego, com a percepção de que era preciso fazer mudanças importantes na área econômica para estimular o emprego e crescimento. Esse interesse em aprovar as reformas ajudou o Bolsonaro e continuará existindo em 2020”, avalia Cristiano Noronha, vice-presidente da Arko Advice.

Essa percepção é compartilhada pela oposição. Para o líder do Psol na Câmara, Ivan Valente (SP), o resultado deve-se ao alinhamento da maioria dos deputados com a agenda econômica e uma menor resistência da sociedade a essas ideias. “Acho que existe uma hegemonia da agenda econômica liberal. Na época do [ex-presidente Michel] Temer, várias propostas só não avançaram porque houve uma megacrise que causou uma instabilidade política”, disse. “A votação da reforma da Previdência é considerada vitória de uma maioria congressual, não é uma vitória bolsonarista”, pontua.

A taxa de apoio a Bolsonaro só é menor que a registrada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro ano de seus dois mandatos, em 2003. Na época, o petista teve um índice de adesão aos projetos do governo que alcançou 63% das votações. Os outros três mandatos iniciados desde então tiveram taxas menores, com exceção do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que acabou deposta pelo Congresso logo em seguida.

Entre os projetos aprovados estão as mudanças na Previdência Social, a adesão automática ao cadastro positivo, a nova Lei de Licitações, a transformação dos clubes de futebol em empresas, a medida provisória (MP) da liberdade econômica e o marco regulatório do saneamento básico, com estímulo as privatizações.

Por outro lado, sem uma base sólida do Executivo no Congresso, o Legislativo se “empoderou” e passou a mandar mais no Orçamento, com a execução obrigatória de todos os investimentos e o repasse direto de recursos para Estados e municípios, sem precisar de convênios com prefeituras e governo locais. Essa movimento terá mais reflexo nos próximos anos, com o governo mais dependente do Parlamento.

O governo sofreu 18 derrotas no plenário da Câmara em 2019. Embora o número pareça pequeno diante de 277 votações, é bem maior que o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos primeiros anos de seus dois mandatos (perdeu sete vezes em 2007 e nenhuma em 2003) e da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2011 (apenas uma derrota). Bolsonaro só se sai melhor que Dilma no segundo mandato, quando, às vésperas do impeachment, os deputados contrariaram por 44 vezes a orientação do líder do governo.

As derrotas de Bolsonaro concentraram-se, principalmente, na convocação de ministros para se explicarem, na derrubada de atos do Executivo (como decretos sobre a importação de etanol dos Estados Unidos) e na agenda de combate à corrupção, como a lei de Abuso de Autoridade. A agenda econômica ficou praticamente preservada - a única derrota nesse campo foi a tentativa do governo de impedir a prorrogação de incentivos tributários para a indústria do cinema.

Para Noronha, a estratégia do Congresso para barrar os projetos de Bolsonaro é deixar de vota-los, como ocorreu com as medidas provisórias (11 delas perderam a validade porque não foram votadas dentro do prazo de 120 dias), ou alterá-los - caso, por exemplo, do projeto para flexibilizar o porte de armas, transformado exclusivamente numa legislação sobre a posse de armas de fogo pelos colecionadores, atiradores e caçadores (CACs).

Crítica a agências reguladoras une Poderes

Apesar de entrar em rota de colisão com o Palácio do Planalto com frequência, a cúpula do Congresso já articula se alinhar ao presidente Jair Bolsonaro em pelo menos um assunto no início do ano legislativo: as críticas às agências reguladoras. Líderes discutem retomar o debate sobre a Lei das Agências, aprovada há menos de um ano, para garantir que esses órgãos não “continuem a extrapolar suas funções”.

A avaliação dos parlamentares é que a sanção do chamado marco civil das agências reguladoras, em junho de 2019, não produziu o efeito esperado. O diagnóstico leva em conta, principalmente, os vetos impostos pelo presidente Jair Bolsonaro ao texto.

Na ocasião, Bolsonaro justificou o veto a um dispositivo que instituía lista tríplice para seleção de integrantes das agências, dizendo que o Congresso queria retirar seu poderes de decidir sobre a direção das agências. “Se isso aí se transformar em lei, todas as agências serão indicadas por parlamentares, imagine qual o critério que eles vão adotar. Pô, querem me deixar como rainha da Inglaterra?”, questionou.

Outro ponto vetado, considerado o mais grave pelos congressistas, foi a previsão de quarentena de pelo menos 12 meses para que indicados estejam afastados de empresas ligadas ao setor. Assim, segundo parlamentares, um dos vícios que se tentou sanar com o projeto permaneceu: nomes recém-saídos das corporações que vão trabalhar nas agências, mas continuam influenciados pelos antigos patrões, que agora deveriam fiscalizar.

De lá para cá, o próprio presidente passou a colecionar entreveros com alguns desses órgãos. As Agências Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) sofreram com críticas do Palácio. O caso mais recente envolveu a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em razão de uma possível taxação da energia solar.

Os parlamentares querem aproveitar esse ensejo para voltar à carga. Então relatora no Senado, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) diz que a versão do projeto sancionada por Bolsonaro continua a permitir que o lobby do setor seja maior do que o interesse dos consumidores. “Nessa relação assimétrica, a balança está pendendo para o setor. As agências tinham que servir como fiel da balança, mas hoje servem ao lado mais forte, as empresas, e não ao consumidor”, disse.

Simone avalia apresentar um novo projeto focado na rediscussão da quarentena para agentes do mercado. “Da mesma forma que políticos têm que ter quarentena [para trabalhar em empresas], não é possível que diretores sejam demitidos e, em seguida, indicados para essas agências”.

O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), disse ao Valor que também avalia apresentar uma proposta que possa coibir o que chamou “ativismo” nesses órgãos. “Há uma confusão entre o papel de regulação do mercado e o de formação de políticas públicas. Confundiram isso e começaram a dar às agências o papel de formuladoras de políticas públicas. Estão usurpando o poder público”, argumentou.

Hoje senador pelo PT, Jean Paul Prates (RN) fez parte do grupo de estudos para a implementação das agências reguladoras no Brasil, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Segundo ele, sempre houve dificuldade dos governantes em entender o papel dos órgãos. “Quando a Dilma assumiu o Ministério de Minas e Energia, ela também contestou. Carregava a mentalidade departamental, de que as agências deveriam seguir o que ela dissesse. Depois ela foi se adequando. Bolsonaro é diametralmente oposto e igualmente errado. Ele diz que não pode fazer nada, porque a agência é autônoma, o que também não é correto”, aponta.

Prates defende que o governo tem o direito de implementar sua política setorial e uma das formas de fazer isso é através das agências. “Bolsonaro pode sim dizer quais serão as prioridades e direcionar. As agências se submetem ao programa de governo vencedor. E olha que quem está falando é um senador do PT em um governo como o de Bolsonaro”, acrescentou.