Valor Econômico, v.20, n. 4865, 24/10/2019. Brasil p.A10

 

Lei trabalhista na cabotagem causa divisão no governo


Infraestrutura admite que embarcações operem com as regras de seu país de origem, mas pasta da Economia defende adoção das normas brasileiras


Por Lu Aiko Otta 

Em mais um ponto de divergência com o Ministério da Infraestrutura na elaboração do projeto da “BR do Mar”, o Ministério da Economia quer que os trabalhadores do serviço de cabotagem sigam as normas brasileiras. “Não é possível ter um navio operando no Brasil, com trabalhadores brasileiros, seguindo normas de outro país”, disse ao Valor o secretário de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia, César Mattos.

O Ministério da Infraestrutura é simpático à ideia de aplicar regras da bandeira original da embarcação. Essa regra faz parte de uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Brasil é signatário, mas o acordo não foi internalizado na legislação brasileira. Em entrevista publicada pelo Valor na terça-feira, o secretário de Portos, Diogo Piloni, disse ser essa sua preferência, mas ressalvou que a ideia ainda estava em análise na área jurídica.

Mattos esclareceu que, diferente do publicado no Valor na edição de ontem, a equipe do ministro Paulo Guedes não defende uma liberalização total do mercado de cabotagem no Brasil. A abertura ficaria restrita ao afretamento de embarcações. “Queremos liberar o afretamento”, informou. “Mas o navio operaria com bandeira brasileira.”

Ou seja, no desenho proposto pela Economia as empresas poderiam operar navios, próprios ou de terceiros. Mas sempre sob a bandeira brasileira.

É um formato diferente do defendido pela equipe da Infraestrutura, que prevê a manutenção de um “lastro”. As empresas poderiam ampliar sua frota, com aquisição ou aluguel, mas de maneira proporcional à quantidade de embarcações próprias que possuam.

Segundo Piloni, hoje a legislação já permite a uma empresa que tenha, por exemplo, quatro navios próprios, possa afretar mais 50%, ou seja, mais dois. Essas, mesmo sendo estrangeiras, precisam operar com bandeira brasileira. Mas também é permitido a ela afretar outras embarcações, sem limite de quantidade e com bandeira estrangeira, caso queira operar uma rota e não haja no Brasil navios disponíveis para o serviço.

“Queremos estabelecer como regra do jogo o afretamento de embarcação estrangeira”, disse o secretário de Portos. A proposta é que essa empresa que tenha quatro navios próprios e dois afretados com bandeira brasileira possa ter mais três (50% do total) afretados com bandeira estrangeira.

Na visão de Mattos, é um desenho que beneficia empresas grandes que já operam no Brasil e dificulta a concorrência. Para Piloni, é uma forma que garante uma abertura “vigorosa” do mercado, mas preserva um “lastro” de embarcações nacionais.

Os dois lados afirmam que as divergências já foram maiores e que um acordo está em construção.