Valor Econômico, v.20, n. 4865, 24/10/2019. Brasil p.A8

 

Divergência ainda trava mudança na Lei de Informática


Superado impasse sobre uso de créditos, escopo do programa ainda divide o governo e atrasa MP


Por Daniel Rittner 

A dois meses do prazo definido pela Organização Mundial do Comércio (OMC), o governo tem ainda pelo menos uma divergência interna que impede a mudança exigida na Lei de Informática.

Condenado em processo movido pela União Europeia e pelo Japão, o Brasil tem até o fim deste ano para revisar os incentivos a fabricantes de computadores, celulares, tablets e outros equipamentos de tecnologia. Hoje eles têm desconto de 80% no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) quando cumprem requisitos para fazer investimentos em pesquisa e desenvolvimento no país. O programa dura até 2029.

Nos últimos dias, um impasse em torno dos benefícios fiscais foi superado e permitiu avanços na redação de uma medida provisória. A Receita queria restringir o uso de créditos tributários pelas empresas de tecnologia apenas ao Imposto de Renda (IRPJ) e à Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). A indústria alegava que, na prática, isso anularia o incentivo porque muitas companhias não têm resultado suficientemente positivo para fazer o abatimento integral.

Segundo fontes oficiais, houve acordo no governo e os créditos gerados poderão ser utilizados em todos os impostos e tributos federais, desde que as companhias declarem IRPJ por lucro real - não por lucro presumido. Isso poderia afetar de 60 a 70 empresas pequenas e médias, mas preservaria o grosso das 600 beneficiadas atualmente. Esse abatimento custa cerca de R$ 6 bilhões anuais aos cofres públicos.

O ponto que ainda gera conflito é a aplicação dos benefícios. A vontade do ministro da Economia, Paulo Guedes, é “desmamar” a indústria e eliminar gradualmente os incentivos. Todos concordam em manter a vigência do programa até 2029, sem descontinuidade para quem já faz uso do mecanismo, porque veem risco de judicialização.

A jurisprudência dos tribunais superiores, afirma uma fonte próxima do ministro, vai no sentido de reconhecer o “direito adquirido” das empresas que fizeram investimentos pesados contando com a validade das regras.

No entanto, essa ala mais “formuladora” de políticas públicas na equipe econômica prefere fechar as portas para novos entrantes na MP. Ou seja, quem já usufrui dos benefícios, continuaria sendo contemplado (com as adaptações na lei); quem pretende gozar dos mesmos incentivos, não poderia mais. Uma forma, segundo o grupo de Guedes, de não estender um mecanismo que classificam como inadequado.

O problema é que já houve alertas contrários de outras alas do governo, incluindo a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que fica na Economia. A tese é que empresas do mesmo setor e produtoras dos mesmos bens não podem pagar impostos diferentes. Diante do impasse, a Casa Civil e a Secretaria-Geral da Presidência (onde está agora a Subchefia de Assuntos Jurídicos) deverão arbitrar sobre o assunto.

“É vedado tratamento tributário desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”, afirma o deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), ex-ministro do Desenvolvimento e atual vice-presidente da Câmara, citando o artigo 150 da Constituição. Para ele, impedir que novas empresas de tecnologia se beneficiem dos créditos gerados pela Lei de Informática seria medida totalmente ilegal.

Junto com outros três parlamentares, Pereira apresentou um projeto de lei (PL 4.805/19) que também trata do tema. “A nossa preocupação é ter, a partir de 1º de janeiro, uma legislação incompatível com as regras da OMC e retardar investimentos no setor.”

No início, conforme explica um executivo do setor, o sentimento da indústria era de que o PL serviria como forma de “apressar” o governo para a publicação de uma MP. Como uma solução foi sendo adiado, agora as empresas preferem resolver pelo projeto de lei. Ontem saiu parecer favorável do relator, André Figueiredo (PDT-CE), e 17 líderes de partidos assinaram requerimento para tramitação com “urgência urgentíssima”. Se a maioria absoluta aprovar, o relatório entra na ordem do dia da mesma sessão. Com isso, na visão da iniciativa privada, poderia ter desfecho mais rápido até do que uma medida provisória.

Como mudanças em questões tributárias exigem “noventena” (período de 90 dias) para implementação efetiva, o prazo dado pela OMC não será cumprido rigorosamente. Ninguém no governo brasileiro avalia que a UE ou o Japão seria tão intolerante com esse pequeno estouro, se a solução estiver encaminhada.

Se a indefinição continuar, porém, europeus e japoneses teriam direito de pedir direito de retaliação - na forma de aumento das tarifas de importação contra produtos brasileiros em geral. Na semana passada, o embaixador da UE em Brasília, Ignacio Ybáñez, ressaltou a importância de respeitar os compromissos da OMC, mas disse perceber “boa vontade” do governo em fazer os ajustes necessários.

 

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Reforma pode gerar aumento temporário de carreiras


Isso dependerá de uma decisão do governo de fazer valer as novas regras apenas para os novos concursos ou também para os servidores das carreiras atuais


Por Fabio Graner 

A reforma administrativa em elaboração pela equipe econômica tem risco de, no fim das contas, elevar por alguns anos o número de carreiras no serviço público. Esse quadro dependerá de uma decisão política do governo de fazer valer as novas regras do serviço público apenas para os novos concursos ou também para os servidores das carreiras atuais.

Uma das possibilidades que o governo também está considerando é criar uma nova modalidade de contratação, além do atual regime jurídico único, segundo o Valor apurou. A ideia é apresentar as propostas na próxima semana, embora deva-se ressaltar que todas as medidas do chamado pós-Previdência têm sofrido com um calendário absolutamente errático por parte do governo.

O processo de redesenho do serviço público demanda desde a edição de proposta de emenda constitucional (PEC), que deve trazer alterações nos artigos 37 a 39 da Constituição (que tratam da contratação e do regime jurídico dos servidores públicos), até projetos de leis e normativos, para alterarem especificamente carreiras, cargos e remunerações dos funcionários.

Se o novo modelo for exclusivo dos servidores públicos que ainda ingressarão no governo, na prática haverá a convivência de dois sistemas. O atual, com 117 (ou 300 dependendo da forma de contabilização) carreiras, e o novo, com um número muito menor de categorias, com maior mobilidade de alocação dos servidores contratados nas diversas áreas do governo.

Assim, o “inadministrável” sistema atual continuaria valendo até a aposentadoria dos funcionários ativos, o que deve levar por volta de duas décadas, enquanto o governo também teria que gerenciar o modelo novo de contratação.

A redução efetiva de carreiras ocorrerá rapidamente se o governo resolver comprar, e vencer, a briga com o sistema atual, já promovendo uma forte reestruturação. “Existe a possibilidade de que as novas carreiras surjam por meio de reestruturação/integração das existentes. Seria uma engenharia um pouco complexa, mas possível, dependendo obviamente da disposição das respectivas categorias em avançar nessa construção”, explicou uma fonte do governo.

O interlocutor acrescentou que esse tema deve ser tratado apenas depois das mudanças que serão propostas por emenda constitucional nas regras de contratação do setor público. “Chegar a um entendimento com as carreiras atuais é algo desafiador, até diria que é o cenário menos provável, mas não pode ser descartado de pronto”, acrescentou.

Vale lembrar que, há duas semanas, o Banco Mundial divulgou estudo apontando que o Brasil tem uma boa oportunidade para realizar uma reforma administrativa porque até 2030 cerca de 40% da força de trabalho do setor público vai se aposentar. O documento destacava os elevados salários pagos na administração federal, muito acima da média do setor privado e com rápida progressão nas carreiras.

O diagnóstico do organismo multilateral coincide com análises feitas dentro do próprio governo. Entre as linhas de atuação que se pretende com a reforma, cujo calendário foi antecipado pelo governo (que inicialmente trabalhava para enviar só no ano que vem), além da redução do número de carreiras e cargos, está o alongamento da distância entre salários iniciais e finais, novas regras de promoção e avaliação de desempenho.

Alguns modelos internacionais têm sido analisados como referência para o Brasil, como os de Portugal e do Reino Unido. O próprio Judiciário brasileiro também é visto como um bom modelo em termos de redução de número de carreiras, ainda que os salários praticados nesse poder sejam considerados excessivamente altos.

A ideia do governo é apresentar a proposta de reforma administrativa na próxima terça-feira, assim como a mudança no pacto federativo, que inclui revisão de regras fiscais. A reforma tributária, que era tratada como prioridade, está ficando para depois.

 

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Medidas administrativas aliviam falta de reforma tributária


Ideia é adotar conjunto de ações legais para reduzir “manicômio” na cobrança de impostos


Por Fabio Graner 

Com a ideia de uma reforma tributária perdendo fôlego no governo e no Congresso, já há na equipe econômica defensores de que o foco seja direcionado para aceleração de medidas administrativas e legais menos polêmicas que reduzam o “manicômio” tributário do país.

Medidas como a redução de obrigações acessórias, inclusive eliminando redundâncias existentes entre Estados e governo federal, e intensificação do uso da nota fiscal eletrônica, estendendo-a para o recolhimento do ISS municipal na mesma plataforma da União, estão no cardápio, de acordo com fontes da área econômica.

A nota fiscal eletrônica de serviços dependeria também da aprovação do projeto de lei complementar 521/2018, que já tramita no Congresso. O passo seguinte seria a implementação técnica, que demanda também um reforço orçamentário no âmbito da Receita.

Um passo adicional que poderia ser dado nesse âmbito, de acordo com uma fonte, seria unificar em um só documento fiscal eletrônico o recolhimento dos tributos federais, estaduais e municipais, sem a criação do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) nacional. Além da maior racionalidade no sistema tributário, isso ajudaria a reduzir litígios decorrentes de dúvidas sobre se em determinada transação o recolhimento é de ISS ou de ICMS.

No caso das obrigações acessórias, já existe um projeto em andamento de diminuição de redundâncias de informações requeridas por Estados e governo federal. Mas um sinal político pode acelerar muito esse processo. “Um comando político nessas direções já seria um ganho, que pode ser bastante substancial, sem tanto desgaste político”, comentou uma fonte do governo com o Valor.

A perda de ímpeto com a reforma tributária, de acordo com outra fonte da área econômica, decorre dos ataques que as propostas em curso já sofrem de setores como serviços e comércio. Estes temem a possibilidade de aumento de carga tributária decorrente da criação de um IVA Nacional. Isso porque essa modalidade de tributação, ainda que seja hoje a mais praticada no mundo, ajudaria a indústria, que tem mais possibilidade de abatimento de impostos recolhidos em etapas anteriores do processo produtivo, enquanto os serviços e comércio têm muito pouco a abater e poderiam arcar com alíquotas maiores. O setor bancário também se beneficiaria de uma reforma ampla.

Outro fator que reduziu o ímpeto da reforma tributária, na parte do governo federal, é a dificuldade de se encontrar uma compensação para o sonho do ministro Paulo Guedes em desonerar a folha de pagamentos. Com a derrocada da ideia da CPMF turbinada patrocinada por Guedes e que custou o cargo do ex-secretário especial Marcos Cintra, a equipe econômica ainda tenta uma solução para esse ponto, que também ajudaria a viabilizar a unificação do PIS/Cofins, à medida que aliviaria a alíquota a ser definida para o novo tributo e acalmaria os setores intensivos em mão de obra.

Nesse quadro, o governo já deixou sua ideia de reforma tributária para depois da reforma administrativa e é possível que ela fique mesmo para o próximo ano. Vale lembrar que o ministro chegou a prometê-la para o início do governo, depois a vinculou à aprovação da Previdência em primeiro turno, sinalizando a entrega no primeiro semestre, mas nada aconteceu.

 

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Com ressalvas, TCU libera o leilão da cessão onerosa


Expectativa é que contratos firmados a partir do leilão gere receita de R$ 628 bilhões para o governo


Por Murillo Camarotto 

 

Por unanimidade e com ressalvas, o plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou ontem a nova versão do contrato de cessão onerosa do pré-sal, colocando ponto final em uma negociação que se arrastava desde 2015. Pelo novo acordo, a Petrobras receberá US$ 9,05 bilhões da União.

A estatal usará o recurso para participar do megaleilão de excedentes da cessão onerosa, marcado para o dia 6. Por isso, a aprovação do novo contrato pelo TCU era fundamental para viabilizar o certame. Na semana passada, o plenário do TCU deu sinal verde para realização do leilão.

A expectativa é de os bônus de assinatura dos quatro blocos que serão ofertados rendam R$ 106 bilhões para o governo federal, que usará parte desse dinheiro para pagar a dívida com a Petrobras. A intenção é fazer um de encontro de contas entre União e estatal.

Um alerta do TCU, no entanto, exigiu um ajuste nos planos. O órgão disse que a eventual suspensão do leilão poderia gerar um problema fiscal: a União não teria os recursos do bônus de assinatura, mas manteria a dívida com a Petrobras.

Para equacionar o risco, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) publicou na noite de terça resolução que abre a possibilidade de o pagamento para a Petrobras ser adiado por até um ano, até 27 de dezembro de 2020. A informação foi antecipada pelo Valor.

Apesar disso, a expectativa no governo e no mercado é de um leilão bem-sucedido. O TCU reiterou ter encontrado várias falhas técnicas nos procedimentos de preparação, mas acabou relevando os problemas devido aos prejuízos que o eventual cancelamento poderia causar.

De acordo com cálculos do Ministério da Economia, a não realização do leilão causaria perda de US$ 5,4 bilhões anuais aos cofres públicos.

Os contratos com os vencedores serão assinados no modelo de partilha de produção, ou seja, as empresas entregarão ao governo uma parte do óleo que explorarem. Vence o leilão quem oferecer o maior percentual de barris para a União. Há uma expectativa de que os contratos, com 35 anos de duração, gerem receita total de R$ 628 bilhões para os cofres públicos.

O Congresso aprovou ontem projeto de lei que abre crédito especial de R$ 40,5 bilhões para a União pagar à Petrobras os valores correspondentes a revisão do acordo. Desse total, R$ 34,6 bilhões são relativos ao pagamento da Petrobras e R$ 5,8 bilhões serão destinados aos Estados, Distrito Federal e municípios.

Inicialmente, o projeto não previa os R$ 5,8 bilhões, mas os valores foram incluídos ontem, quando o governo enviou proposta de modificação do texto ao Congresso.