O Globo, n. 32639, 17/12/2022. Política, p. 4

Ajuste estratégico

Fernanda Trisotto
Bruno Góes


Com apoio de petistas, de bolsonaristas e do Centrão, e elogio do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso aprovou ontem mudanças nas regras do orçamento secreto, na tentativa de salvar o mecanismo, objeto de julgamento na Corte. O texto aprovado ontem pelos parlamentares estabelece critérios para divisão dos recursos do orçamento do governo que terão a destinação indicada pelas emendas de relator, base do orçamento secreto, e também acaba com brecha que permitia deixar sob sigilo o padrinho da indicação dessas verbas.

Um dia após pedir para adiar a análise da ação sobre o orçamento secreto, Lewandowski disse que levará em conta em seu voto, na retomada do julgamento na segunda-feira, a resolução aprovada ontem pelo Congresso. A sinalização foi vista no Congresso como uma tendência devoto pela constitucionalidade do mecanismo. O assunto foi discutido pelo ministro em reunião com o Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), um dos interessados na manutenção do instrumento.

— Estou tomando conhecimento agora do seu conteúdo e certamente levaremos essa resolução em consideração quando retomarmos o julgamento na segunda-feira que vem. Muito daquilo que estava proposto na resolução atendia às preocupações ventiladas pelos ministros no julgamento. Na segunda-feira, com toda certeza, nos debruçaremos sobre a resolução, que agora foi aprovada, sempre nesse sentido importante de diálogo entre os Poderes — afirmou Lewandowski.

Ação conjunta

A discussão da resolução no Legislativo foi citada como argumento por Lewandowski e Gilmar Mendes, únicos que ainda não votaram no julgamento, para pedir o adiamento quando o placar estava em 5 a 4 para derrubar o orçamento secreto. A votação será retomada na segunda-feira, o que deu tempo ao Congresso Nacional para votar e aprovar a resolução ontem.

O PT do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e o PL do presidente Jair Bolsonaro atuaram em conjunto para aprovar o projeto que institui novos critérios de distribuição das chamadas emendas de relator. A expectativa entre deputados e senadores é que o gesto ajude a convencer o STF anão vetar o mecanismo utilizado por parlamentares para irrigar seus redutos eleitorais com dinheiro público. Na Câmara, 44 deputados do PT foram favoráveis ao texto, enquanto três votaram contra e dois se abstiveram. A proporção é similar à bancada do P L, com 48 a favor, seis contrários e duas abstenções ). No Senado, petistas foram para a votação mais divididos: três a favor, um contra e duas abstenções. Já o PL teve sete votos favoráveis e um contrário. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do presidente, foi um dos que apoiaram a medida.

O placar total na Câmara foi de 328 votos favoráveis, 66 contrários e 4 abstenções. Já o Senado aprovou o projeto de resolução por 44 a 20 e duas abstenções. Os parâmetros fixados, contudo, só serão válidos se o Supremo formar maioria para preservar as emendas do orçamento secreto. Segundo o texto aprovado, 80% do valor reservado às emendas de relator no ano que vem, de R$19,4 bilhões, passaria a ser distribuído de forma proporcional à representação dos partidos no Congresso. Esse montante seria de R$ 15,5 bilhões, sendo R$ 4,5 bilhões para senadores e R $10,9 bilhões entre os deputados. Indicações conjuntas do relator- geral do Orçamento e do presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), cargos ocupados hoje pelo senador Marcelo Castro (MDBPI) e pelo deputado Celso Sabino (União-PA), respectivamente, ficarão com 5% das emendas. Com isso, poderão alocar R$ 970 milhões. O restante fica à disposição das Mesas da Câmara e Senado, comandadas pelos presidentes Arthur Lira (PP-AL) e Pacheco. Cada um será responsável pela indicação de R$ 1,4 bilhão por meio de emendas de relator —ou seja, 7,5% do total cada. Na quinta-feira, antes de o julgamento ser suspenso, quatro ministros haviam seguido o voto da ministra Rosa Weber para tornar o orçamento secreto inconstitucional: Cármen Lúcia, Luiz Fux, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. Outros quatro — André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli — admitiram que elas possam continuar existindo, mas com uma série de ressalvas que torne os pagamentos mais transparentes e com critérios mais rígidos de controle. Independentemente do resultado, a maioria da Corte decidi una quinta-feira que o mecanismo utilizado para contemplar parlamentares com recursos do Orçamento não poderá mais existir no formato atual. Ou seja, terão que dar mais transparência, com a publicidade dos autores de cada emenda, o que, segundo parlamentares, é com a redação do projeto.

Sem “Usuários externos"

Com o novo regramento, por exemplo, deixa de existir a indicação de emendas por “usuário externo”, artifício criado para esconder os reais beneficiários dos recursos. Assim, apenas os parlamentares serão responsáveis pelas emendas de relator. Líder de um dos partidos que questionou as emendas de relator no Supremo, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) se posicionou de forma contrária ao texto em plenário. Segundo ele, o mecanismo não poderia existir nem mesmo com os parâmetros do texto aprovado.

— A posição da Rede é a mesma de quatro anos atrás. O orçamento secreto é uma indecência e deve ser considerado inconstitucional — discursou Randolfe. Após o término da sessão, o relator da proposta, senador Marcelo Castro disse que o Congresso deu “100% de transparência” às emendas. Por isso, disse acreditar ser justo que o Supremo libere o mecanismo. Ele ressaltou, contudo, que a Corte ainda tem o direito de dar a palavra final e “errar por último”.

— Eu não vejo, hoje, com a votação do Congresso, o STF ter razão ao declarar a inconstitucionalidade. Estamos cumprindo os princípios da administração pública. Questionado sobre o princípio da eficiência, ponto também levado em conta no voto de Rosa Weber, ele reconheceu que poderia haver argumentos contrários. Críticos do mecanismo veem as despesas das emendas de relator como desperdício de investimento, já que não há coordenação de políticas públicas para a alocação de verba ou tampouco foco em programas de infraestrutura.